Não há duvida de que uma das
problemáticas mais discutidas na política interna brasileira é a questão da
concentração fundiária. Estabelecida profundamente nas estruturas do país
através de medidas como as Capitanias Hereditárias, as Sesmarias e a Lei de
Terras, a desigualdade na posse de propriedades teve início com a ocupação
colonial e se arrasta até os dias atuais, contrapondo grandes latifúndios de
terra, na maioria das vezes não aproveitados por completo, com milhares de moradores
rurais que não possuem um solo para trabalho próprio.
Dessa
forma, com as diversas mudanças politicas, culturais e econômicas que
aconteceram ao longo da história brasileira, transformações na sociedade foram
incentivadas, consequentemente também ensejando alterações no direito. Portanto,
sendo a função da jurisprudência procurar manter o equilíbrio público a partir
das demandas e necessidades de uma coletividade, o desenvolvimento de um
direito mais socialmente consciente foi inevitável. É a partir de tal noção que
a doutrina da função social emerge, limitando as concepções individualistas do
passado, com a intenção de conceder aos sujeitos de direito não só uma igualdade
em seu aspecto formal, mas protegendo também sua liberdade material e moral.
Analogamente a esses princípios, Boaventura
de Sousa Santos entende que o direito tem a função de combater as desigualdades
inerentes das relações sociais, diminuindo a enorme distância que se estabelece
entre dominantes e dominados. Para o professor da Universidade de Coimbra,
existe uma diferença “abissal” instituída na jurisprudência, separando os
sujeitos de direito em dois grupos de indivíduos: os 1%, detentores do poder e
privilegiados pela lei, e os 99%, oprimidos e esquecidos juridicamente. Nesse diapasão,
para eliminar essa perspectiva de abismo, o direito deve pensar dentro de uma
nova hermenêutica “anti-hegemônica”, que, ao contrario de suprir somente as
expectativas dos dominantes, procura criar um equilíbrio de oportunidades para
toda a sociedade.
Como exemplo prático da teoria de
Boaventura e da aplicação dos preceitos da Função Social, pode ser analisado o
julgado da Fazenda Primavera, invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra no início da década passada. Entendendo que a propriedade do caso não
cumpria a função para ela determinada na constituição, os desembargadores
encarregados da decisão negaram a reintegração de posse ao proprietário original
do território, assegurando, assim, um modo de moradia e trabalho para os membros
do MST envolvidos naquela ação. Dessarte, o citado aspecto abissal entre o proprietário
e o MST (representativos, respectivamente, dos 1% e dos 99%) foi, a partir dos
fins sociais do direito, consideravelmente diminuído, assegurando a noção de
Boaventura.
Por fim, conclui-se que o domínio é um
direito subjetivo e deve ser usado a serviço não somente próprio, mas de
outros, dando-lhe uma função social. O proprietário do bem é vinculado a um
dever maior e, enquanto ele como detentor da propriedade, cumpre essa missão,
seus atos serão protegidos pelo direito positivado.
João Manuel Pereira Eça Neves Da Fontoura – Turma XXXV
Noturno
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