Trazer as ideias
de Bourdieu à discussão da legalização do aborto de fetos anencéfalos é sinônimo
de tratar uma discussão que permeou todo o curso de sociologia: “a origem do direito”.
Assim como foi tratado ao longo do semestre há uma miríade de abordagens sobre
o intuito do direito, a que e quem ele se presta e qual o seu objetivo. E cada
autor que cria uma nova leitura sobre um tema abre uma série de novos
horizontes para outros pensadores desenvolverem novas teses.
Sendo a leitura
de Bourdieu póstuma à grandes pensadores, como Marx e Weber, ele não poderia
deixar de apreciar seus desenvolvimentos teóricos sobre as suas visões de mundo
e por tabela do direito. Quando Bourdieu começa sua leitura sobre o direito, no
capítulo oito de sua obra O poder
simbólico, se posiciona claramente contra a tentativa Kelseniana de
afastamento da a moral (usa-se aqui o artigo “a” porque Kelsen o faz em sua
obra teoria pura do direito).
Segundo o autor francês
esta tentativa objetiva criar uma ciência jurídica independente da leitura
social e, assim, embasar o intuito de sua existência em si mesmo, analisando através
deste prisma vê-se uma lógica tautológica. Bourdieu desenvolve então uma
análise que nega esta visão formalista do Direito sem incorrer, contudo, no
erro dos marxistas estruturalistas que, por sua vez, negam a estrutura e
consideram apenas a parte material do direito.
Cria portanto um
sistema de análise que, em detrimento dos sistemas supracitados, prevê a dualidade
existente no modelo formal versus material. Deste binômio nasce também uma leitura
mais complexa de um modelo não mais radical mas que mantém em si características
distintas e contrárias. Sendo assim nasce (ou percebe-se de acordo com a entendimento
positivista ou jusnaturalista do leitor) uma dicotomia dentro do direito que o
autor materializa entre os leitores desta ciência jurídica, diferenciando-os
entre os que o produzem (no sentido filosófico e acadêmico) e os que o aplicam,
os magistrados.
Voltando enfim a
interpretação do caso prático através do viés “Bourdieano” vê-se que o direito
não se demonstrou como uma ferramenta do status quo ou da classe dominante, uma
vez que, sob este viés se esperaria que a decisão fosse contrária a não
condenação, o que segundo o princípio do direito negativo corresponderia à “legalização”
do aborto de anencéfalos, contudo a mera necessidade do processo jurídico também
impede o rótulo de emancipador, não agindo como uma ciência que busca criar novas
fronteiras para a sociedade.
Essa situação é
perfeita para a análise de Bourdieu do direito porque este, mediante a
interpretação por parte dos magistrados, serviu de ferramenta para ocasionar a
mudança social mas se interpretado apenas de acordo com o texto frio da lei
jamais prostraria o modus operandi.
Percebo agora
que toda a matéria foi pensada para que nós alunos sejamos capazes de olhar
para uma realidade técnica que se desenhará nos próximos anos no curso e poder
entender qual é a gênese da interpretação empregada por aqueles que ministraram
as petições, atos e julgados. O intuito da matéria é, dentro das limitações de
uma matéria que não é devidamente valorada dentro da instituição (e do mundo do
direito como um todo), tornar-nos juristas de fato e não meros operários do
direito, adiciono apenas uma observação pessoal sobre esse termo “operários do
direito” que é a desvalorização da classe proletária pela academia, justo esta
que tudo produz e que, no fim, é a verdadeira dona de toda a riqueza.
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