Boaventura inicia sua obra
retomando a brilhante questão abordada por Rousseau: “será que o progresso das ciências ou das artes
contribui para a pureza ou para a corrupção dos costumes?” . Tomando por base a
indagação do filósofo, o autor constrói a pergunta provocativa que irá nortear e
intitular sua obra: “poderá o Direito ser emancipatório?”
Essa
questão é extremamente atual e relaciona-se, por exemplo, ao tão polêmico e
comentado tema das ações afirmativas, dentro do qual as “cotas raciais” são uma
marca forte. Boaventura de Souza e Santos expõe a necessidade de construir uma
vertente não-hegemônica do Direito, uma “globalização contra hegemônica”, o
chamado “cosmopolitismo subalterno”, cosmopolitismo dos oprimidos a fim de
combater as desigualdades no contexto do Neoliberalismo; as ações afirmativas,
as cotas raciais seriam um meio para isso. A importância das cotas raciais é
potencializada pelo contexto da crise do reformismo, do Estado-providência, do
ressurgimento do conservadorismo, pela própria perda, pelo Estado, do papel de
regulador social; como Boaventura expõe.
Na
obra mencionada, o autor destaca a instabilidade social como condição de
assegurar a estabilidade econômica. Podemos remeter essa concepção à problemática
da infraestrutura e superestrutura do pensamento marxista e, de forma mais
concreta, podemos visualiza-la no próprio processo histórico escravocrata da
nossa sociedade: para assegurar uma hierarquia econômica e social da elite, os
negros sofreram diversos abusos, foram explorados e marginalizados, o que resultou na
construção de uma sociedade racista e excludente, que relegou aos negros à chamada
“sociedade civil incivil”; segundo Boaventura , os indivíduos que a compõe “socialmente,
são quase por completo invisíveis.” Nesse ínterim, as cotas raciais seriam
legítimas e justas, pois iriam findar com esse círculo vicioso histórico que
joga o negro na pobreza, viabilizando, então, sua integração social.
Ademais,
retomando a indagação acerca da emancipação do Direito, o autor afirma que enfrentamos
problemas modernos para os quais não há soluções modernas; nesse ínterim ele
mostra a preocupação em reinventar o Direito longe do modelo liberal e
demo-socialista, sem cair na agenda conservadora. Esse último ponto se liga aos
chamados “apartheids sociais” que marcam nossa sociedade, destruindo o contrato
social; lógica essa que cria “novos estados naturais”, gerando o “fascismo da
insegurança”, a subclasse dos excluídos. As cotas raciais não seriam portanto
uma solução imediata para isso? As cotas de reserva de vagas nas universidades
públicas não seriam um meio de destruir essa tendência de hiper-exclusão? Para
analisar essas questões, basta nos atentarmos para o simples fato de que as
melhores universidades do país são públicas e ,paradoxalmente, as melhores escolas
de ensino fundamental e médio são particulares.
Para
confrontar com êxito o fascismo social e dar resposta às necessidades da “sociedade
civil incivil” é necessário, sim, um Direito emancipatório, cosmopolita, um “Direito
experimental”, que reconheça a diferença
como fundamento da busca pela igualdade, que discrimine positivamente em favor
dos desprivilegiados, dos “indivíduos invisíveis”, para ,no futuro, a
emancipação social e a igualdade serem concretizadas; para o progresso das ciências
contribuírem finalmente para a pureza dos costumes, como outrora Rousseau já
apontara.
Victória Afonso Pastori
1º Ano-Direito Noturno
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