Um
mundo cheio de preás seria a sociedade brasileira como afirmam ser:
igualitária, acolhedora e sem preconceitos. Mas basta olhar de fato para a
realidade para verificar que ocorre o contrário: a igualdade parece estar apenas
no papel, o individualismo impera e preconceitos estão cada vez mais exaltados.
Elenca-se a isso o fato de o negro ainda estar à margem socialmente, pois é
evidente que ainda está preso às entranhas de um passado opressor. Com isso,
como garantir a igualdade e consequentemente a justiça? Justiça, esta, que deve
ser realizada para garantir uma igualdade não somente formal, mas também material.
Boaventura
de Sousa Santos em Poderá o direito ser
emancipatório? trata sobre a utilização do direito como um mecanismo de
mudança social. A afirmação do autor sobre a questão da relatividade contemporânea
destruindo o período atual condiz com a necessidade de se realizar medidas que
busquem alterar o cenário social do Brasil: um passado escravocrata que não
privilegiou a todos, mas que segregou a parcela negra da população, que mesmo
após a abolição em 1888, continuou sobre a sombra desse passado cruel. Muitos
intelectuais da época imperial brasileira, como Joaquim Nabuco, elaboraram projetos visando emancipar o escravo e integrá-lo na
sociedade. No entanto, os esforços esvaíram-se diante de uma elite que somente
tinha olhos para si, não se diferindo muito da atual elite brasileira, que cada
vez mais vive em uma redoma de vidro, imersa em fascismos, sendo essas atitudes
reafirmadas por uma visão neoliberal e capitalista, que torna a sociedade cada
vez mais centrada nos interesses individuais, acentuando uma exclusão
estrutural.
Com
isso, para Boaventura, esse período atual seria transitório, assim como a adoção
do sistema de cotas, pois é preciso adotar medidas desiguais para igualar os
desiguais em suas desvantagens. Entretanto, o autor português aponta em seu
texto que esse momento de transição, muitas vezes não encontra um ambiente
condizente com as respostas que se buscam para as questões complexas, como por
exemplo, a integração de negros nas universidades públicas do país.
Desse
modo, a adoção de cotas étnico-raciais visa exatamente a realização de uma
justiça não apenas para amenizar as injustiças de um passado escravista, mas
para gerar um ambiente acadêmico mais plural, menos segregado, mais harmonioso,
e uma sociedade mais igualitária e sem racismo. É indiscutível como a herança
da escravidão é ainda presente na atualidade, visto que o acesso às melhores
universidades do país é predominantemente de pessoas brancas que dispõem de
condição financeira estável. Todavia, um fascismo social revestido de ideia de
meritocracia para ingressar em uma universidade pública é evidente na
atualidade, como por exemplo o requerimento pelo partido Democratas (DEM) para
que seja revogada a adoção do sistema de reserva de vagas sob o critério étnico-racial
pela UnB. Esse requerimento não condiz com um contrato social defendido por
Boaventura, pois os negros no Brasil majoritariamente foram excluídos deste contrato,
assim, a não implementação dessa ação afirmativa somente vai reafirmar esse
caráter elitista da universidade pública brasileira, prendendo o negro à
condição inferior histórica que ainda se faz presente. E isso apenas perpetua o
entrave entre regulação social e a emancipação social.
Como
foi apresentado na ADPF 186, o Ministro e relator Ricardo Lewandowski afirmou
que o modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos
institucionais visando à correção das distorções do princípio de igualdade. Com
isso, é considerada constitucional a adoção dessas ações afirmativas, sendo
também verificada uma forma de emancipação social legal e a utilização do
direito como instrumento de conquista social, como foi apresentada por
Boaventura de Sousa Santos. Entretanto, muito se deve alterar ainda na
sociedade brasileira para que se possa atingir uma sociedade igualitária de
fato, sendo a adoção desse sistema um passo pequeno para se atingir um grande
resultado. Assim, a negação desse sistema seria somente uma forma de cessar a
emancipação legal, de cessar a ideia de um mundo de preás, que na atualidade
coincidiria com a ideia dessa igualdade social, havendo uma sociedade plural
tanto em idéias quanto de pessoas e isso não pode ser uma utopia.
Lara Costa Andrade
1º ano de Direito
Diurno
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