De
acordo com a filosofia, emancipação consiste na luta das minorias pelos seus
direitos de igualdade ou pelos seus direitos políticos enquanto cidadãos.
Entende-se por minoria, não os grupos, necessariamente, numericamente menos
populosos, mas aqueles que são excluídos por meio da subordinação devido às suas
características étnicas, religiosas, cor de pele, país de origem, situação
econômica etc, em relação a outro grupo, que é maioritário ou dominante em uma
dada sociedade.
Desta
forma inicia-se um processo segregacionista, culminando, de acordo com Boaventura
de Sousa Santos, na sociedade civil incivil. Apesar de parecer exagerado
afirmar que os negros são severamente excluídos, é visivelmente notável a quantidade
insignificante desse grupo nas universidades públicas, ou seja, ocorre
segregação urbana ou o fascismo social. Paradoxal é a existência do fascismo
social em Estados Democráticos de Direito, como é o caso do Brasil, resultando na
precária representação institucional, um problema que afeta os grupos
minoritários. Por exemplo, vida do povo negro brasileiro é peculiar nesse
sentido, sendo por um lado juridicamente livre e igual, e por outro ainda
querer reivindicar uma sonhada igualdade material não existente. O sistema
representativo instituído em nosso país favorece os grandes grupos, que se
organizam para conseguir empoderar um representante político que atenda às suas
necessidades imediatas. Diante desse sistema, as minorias acabam sendo
representadas de forma secundária.
Portanto,
nasce a necessidade de dar privilégios aos não-privilegiados para conseguir
reduzir o abismo social presente nas desigualdades decorrentes do sistema
capitalista, haja visto que o Estado de Bem-estar Social permite à população
reivindicar ações públicas intervencionistas, que participem da realidade,
através da concessão de direitos e distribuição igualitária dos mesmos. Para Contins,
as cotas raciais são “[...] a promoção de oportunidades iguais para pessoas
vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que
beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços educacionais e por
posições no mercado de trabalho”. Desta forma, a política de cotas raciais, a
partir do direito formal, visa incluir socialmente por meio da compensação das
desigualdades materiais oriundas da ordem racial e, consequentemente, econômica
provenientes das mazelas da escravidão.
Entretanto,
a política de cotas implica em divergências, pois sustenta, em síntese, que a
discriminação supostamente existente no Brasil é
uma questão social e não racial. Além disso, é inconstitucional uma vez que
fere o princípio da isonomia em que todos são iguais perante a lei, o que é
discutível, pois parte-se desse mesmo princípio que não deve ser feita nenhuma
distinção entre pessoas que se encontrem na mesma situação. Outrossim, afirma-se
que as cotas fomentam a implementação no Brasil de um “Estado
racializado” ou do “racismo institucionalizado”, nos moldes praticados nos
Estados Unidos, África do Sul ou Ruanda. Ademais, não se pode responsabilizar as gerações
presentes por erros cometidos no passado, seja porque é
impossível identificar quais seriam os
legítimos beneficiários dos programas de natureza compensatória. Por fim, o
sistema “birracial” de classificação norte- americano, o qual só
admitiria duas “raças”, brancos e negros, é inaplicável
à realidade multirracial brasileira,
caracterizada por intensa miscigenação, que inviabilizaria os programas
afirmativos baseados nesse critério.
Os
argumentos acima foram utilizados pelo Partido Democratas a respeito das cotas
raciais utilizadas na Universidade de Brasília (UNB) por meio da arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) a qual requisitava que o CESPE
divulgasse uma nova listagem de aprovados, considerando todos os candidatos
como se todos estivessem sido inscritos no sistema universal de ingresso na
universidade, a partir das notas de cada candidato, independentemente do
critério racial, porém a concessão da medida poderia causar dano a todos os
estudantes aprovados no exame vestibular da UnB realizado em 2009, pois a
interposição da arguição
ocorreu após a divulgação
do resultado final do vestibular 2/2009, quando já
encerrados os trabalhos da comissão avaliadora do sistema de cotas, atribuindo
àqueles que seriam eliminados da Faculdade, mesmo depois de terem sido
aprovados, uma insegurança ontológica.
O
desfecho do caso ocorreu por intermédio do Ministro Ricardo Lewandowski afirmando
“que o sistema de reserva de cotas raciais é importante para a democratização
do ensino superior, e que só deve ser abandonado quando forem
eliminadas todas as restrições ao acesso de certas categorias
sociais à universidade, esclarecendo que, hoje, os negros correspondem a
apenas 2% do contingente de universitários no País, apesar de representarem
45% da população brasileira. (...) a justiça
compensatória não
é o único
nem mesmo o principal argumento em favor da ação
afirmativa para negros no acesso ao ensino superior. Ao lado dela, há
a justiça distributiva, a promoção
do pluralismo nas instituições de ensino e a superação
de estereótipos negativos sobre o afrodescendente,
com o conseguinte fortalecimento da sua autoestima e combate ao preconceito.”
Por fim a Procuradoria Geral da República, representada pela Vice- Procuradora
Geral da República, Débora Duprat, defendeu as ações
afirmativas, sustentou que a política de cotas raciais,
diferentemente do discurso que cria castas, inclui os grupos que,
historicamente, tiveram seus direitos ignorados.
Em
suma, a posição epistemológica presente na obra de Boaventura de Sousa
Santos explora o direito por meio da
oposição entre regulação e emancipação e de uma “sociologia das ausências” em
confronto com uma “sociologia das emergências”. Conclui-se que a universalidade
de condições é uma utopia, porém o direito pode ser utilizado como instrumento
de emancipação social a fim de, ao menos, reduzir as desigualdades materiais,
ainda que seja necessária a implementação de desigualdades formais para
aproximar a sociedade civil da incivil.
Juliete Araujo Zambianco
1° ano Direito – Noturno
Aula 2.1
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