Era por volta do meio-dia, minha esposa cuidava da horta enquanto eu decidi consertar alguns buracos na cerca da fazenda. Foi quando vi entrar pelo arco que ornava a entrada um homem imponente, apesar da baixa estatura e magreza, se comportava como rei, trajando preto do chapéu às botas, caminhava ao lado de um cavalo, também negro. O corcel era bonito, mas andava cabisbaixo e aparentava estar muito magro.
O homem se aproximou de mim e com tom de soberba e desprezo pediu que eu cuidasse do cavalo por alguns dias, ele retornaria e era fundamental que o cavalo estivesse melhor para poderem voltar às viagens e assim darem continuidade aos negócios. A oferta era generosa e eu não podia recusar, aceitei a proposta e acolhi o alazão com a única regra imposta de não lhe tirar o cabresto de modo algum.
Passei dias tentando alimentá-lo, chamei conhecidos meus que entendiam melhor sobre doenças, mas nada parecia adiantar, foi no dia anterior ao retorno do homem que decidi retirar a correia que prendia o cavalo, foi em um pulo que ele se levantou e correu no pasto da fazenda, nunca vi um bicho tão feliz, era linda a sua liberdade.
No dia seguinte, já visivelmente melhor, alimentei e dei banho no animal, foi quando minha esposa alertou que o homem retornava, corri então para laçar o animal novamente e assim entregá-lo ao dono, mas fiz questão de deixar as rédeas mais soltas. O homem quando viu o estado em que se encontrava o animal abriu um sorriso de ponta a ponta e me entregou um maço gordo de dinheiro, meu último olhar para o cavalo foi carregado de tristeza e identificação, esquisito como eu por algum motivo me identifiquei com ele.
O senhor subiu nos estribos e cutucou com os calcanhares para que o animal se pusesse a andar para fora da fazenda. Novamente de cabeça baixa, passou a trotar lentamente, mas foi num descuido do homem de soltar as rédeas, que o cavalo relinchou, empinou e saiu correndo, rompendo o cabresto e as rédeas que o seguravam. O rapaz desequilibrou e caiu no chão sujando completamente de pó e terra as roupas chiques e caras, foi embora a pé xingando Deus e o mundo.
A história me causou reflexões interessantes: Será que na vida, nós não estamos na mesma situação que o cavalo? Quem impõe esse “cabresto” em nós visa o que? Um progresso? Uma ordem? A quem interessa e qual seu objetivo nisso tudo isso? A felicidade individual muitas vezes é considerada uma ameaça ao "bem-estar geral". Quando tentamos analisar e controlar pessoas e animais do mesmo modo que analisamos e controlamos experimentos científicos, nos esquecemos do que realmente nos diferencia de um mero objeto de estudo científico: Liberdade e transformação. Interessante né? Talvez esse devesse ser o lema estampado em nossa bandeira...
Boa, Pedro. Texto fluido, com narração, reflexão e conexão com os conteúdos abordados em aulas. Gostei da "Liberdade e Transformação". Mas um pouco de ordem e de progresso também não fazem tão mal assim (risos). Com respeito, Alexandre.
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