A obra "O Que é uma Nação?" escrita por Ernest Renan oferece uma análise crucial sobre como a identidade nacional se forma, sugerindo que uma nação vai além de características biológicas ou étnicas, fundamentando-se em uma "vontade coletiva de coexistir" e na partilha de uma memória histórica comum junto a um acordo entre seus membros. Apesar de Renan defender uma concepção abrangente de nação, onde a inclusão não era rigidamente estabelecida por elementos raciais, suas ideias ainda transportam vestígios das influências coloniais.
Contudo, a noção de uma "nação coesa" muitas vezes implica numa homogeneização da identidade, que tende a excluir ou marginalizar as diversidades internas, especialmente em contextos coloniais. Em nações que surgiram de processos de colonização, como o Brasil, a formação da identidade nacional frequentemente desconsiderou as dinâmicas sociais e raciais complexas, favorecendo uma unidade aparente que camuflava as desigualdades e os conflitos entre os diversos grupos. Assim, embora a contribuição de Renan seja inovadora ao desafiar o essencialismo racial, ela também reflete os conceitos colonialistas de uma nação ideal e "purificada", onde a diversidade frequentemente é reduzida em favor de uma narrativa nacional uniforme
Acerca disso, termos constantemente estudados e vivenciados, trazem expressões como o nacionalismo e o ufanismo, sendo eles correlacionados, mas que apresentam suas diferenças, principalmente com relação a intensidade pela qual cada um permeia a sociedade. O Nacionalismo caracteriza-se como uma ideologia política que valoriza a identidade, cultura e história de um país, buscando promover sua soberania perante as outras nações. Além disso, pode transparecer de diversas forma em uma sociedade, partindo de um patriotismo moderado até as formas mais radicais. Em outras palavras, pode-se observar essa vertente em contextos como a propagação do movimento “America First” nos Estados Unidos pelo presidente Donald Trump e o discurso adotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”
Por outro lado, o Ufanismo é uma forma extremamente exagerada ou idealizada do nacionalismo. Isso se distingue por um otimismo inflado a respeito das virtudes do país, ressaltando a crença de que a nação é mais distinta ou superior comparada a outras. O ufanismo frequentemente desconsidera ou subestima as dificuldades e deficiências do país, fornecendo uma perspectiva romantizada e muitas vezes ilusória sobre a condição da nação. A exemplificar, a Ditadura Militar Brasileira segue essa vertente, pois utilizou a propaganda para criar uma imagem de um Brasil forte, unido e progressista, frequentemente ignorando ou minimizando as desigualdades sociais, a repressão política e as violações de direitos humanos.
Seguindo essa ideia, Auguste Comte, filósofo conhecido como “pai do Positivismo”, corrente está que se desprende do conhecimento teológico, elevando o conhecimento cientifico e a metafísica como única verdade, justamente por se basear em técnicas cientificas. Cabe ressaltar que a doutrina de Comte buscava a ordem social, por conta desse fato surgiu o lema positivista: “O amor por principio e a ordem por base; o progresso por fim”. Frase essa que causou grande efeito no Brasil durante o século XIX, sendo adotado na bandeira nacional. Em virtude da influencia de Comte, o lema exposto reflete, principalmente, após a Proclamação da Republica em 1889, onde os republicanos buscavam um Brasil moderno e progressista a partir da identidade nacional forte e autossuficiente.
Para complementar o entendimento das influencias nacionalistas e ufanistas como prorrogação das raízes coloniais, fatos históricos entram em evidencia ao redor do mundo. Por exemplo, os Kamikazes japoneses, o Brasil Império e a propaganda nazista. No Japão, no período da Segunda Guerra Mundial, o sentimento nacionalista tornou-se evidente por meio do sacrifício extremo dos Kamikazes, que eram vistos como heróis de uma nação sagrada, refletindo um fervor que exaltava a morte pela pátria e a superioridade japonesa. No Brasil durante o Império, esse fervor nacional foi impulsionado pela noção de uma nação idealizada, especialmente dentro de um cenário agrário e monárquico, que tentava encobrir as injustiças sociais e a opressão da escravidão ao promover uma imagem de unidade e grandeza nacional.
Similarmente, a propaganda nazista na Alemanha utilizava o nacionalismo exagerado para glorificar a "raça ariana" e gerar um clima de intensa devoção patriótica, apresentando a nação alemã como radicalmente superior. Esses casos podem ser interpretados como desdobramentos do pensamento colonial, uma vez que, em todos esses cenários, houve uma tentativa de moldar uma identidade nacional fundamentada na noção de uma nação dominante e invencível. Frequentemente, essa formação identitária ocorria à custa de excluir ou marginalizar realidades sociais e históricas, como as desigualdades raciais, étnicas e de classe.
Um outro aspecto é o apresentado por Grada Kilomba em sua obra “Memória da Plantação: episódios de racismo cotidiano” que traz uma análise profunda sobre o legado da escravidão e como suas consequências ainda ecoam na atualidade, especialmente por meio do racismo estrutural. Kilomba enfatiza como a lembrança histórica da escravidão continua a influenciar as interações sociais e raciais, sustentando uma hierarquia racial que ainda marginaliza as pessoas negras. O conceito de escravidão moderna está intimamente ligado a essa situação, pois, embora a escravidão tenha sido encerrada, práticas de exclusão social, discriminação e exploração econômica permanecem afetando as populações negras, particularmente em relação à desigualdade no acesso à educação, ao emprego e à justiça. A obra de Kilomba, portanto, não apenas reexamina o passado, mas também revela como o racismo estrutural se manifesta de maneiras discretas e persistentes na sociedade atual, mantendo viva a opressão e a exclusão, mesmo no contexto pós-abolição.
Por fim, o nacionalismo e o ufanismo, ao buscarem reforçar a identidade nacional, frequentemente se manifestam como desdobramentos do pensamento colonial que ainda afeta a formação de nações pós-coloniais. Assim, ambos os conceitos evidenciam como o legado colonial ainda impacta as narrativas nacionais, muitas vezes de maneira distorcida, ao invés de fomentar um diálogo crítico e reflexivo sobre as desigualdades históricas.
Boas reflexões, Maria Eduarda. Análise objetiva e bem formulada. Com respeito, Alexandre.
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