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quarta-feira, 26 de março de 2025

 O Direito e a Reinvenção do Casamento

     As “no-fault laws” para o divórcio foram introduzidas em diversos estados norte-americanos a partir de 1969. Essas leis permitem que um casal peticione judicialmente o divórcio sem a indicação de culpa motivadora da dissolução da união, desde que alegue que seu casamento “quebrou irremediavelmente”.

    Com isso, nos estados perfeitamente “no-fault”, onde a culpa também não é considerada na divisão patrimonial, o número de divórcios aumentou imediatamente e a longo prazo como efeito da alteração legal, como demonstrado no estudo “No-Fault Laws and At-Fault People”, de Margaret F. Brinig e Francis H. Buckley.

    De fato, impacto estatístico não surge isolado de um impacto cultural e simbólico: a trivialização do processo de divórcio e a diminuição de suas consequências para os sujeitos expressam que a relação de casamento é essencialmente um contrato, e portanto sua manutenção ou término é uma decisão exclusiva das partes, e independe de seu reconhecimento religioso e social, que antes podia limitar a extensão do fenômeno.

    Essa mudança de apreciação do vínculo matrimonial é aprofundada pelo direito. Não que antes dessas leis não houvesse quem concebesse o casamento como uma relação substancialmente contratual, mas é o direito opera para que essa percepção seja preponderante, relegando as demais concepções de matrimônio à esfera das crenças religiosas e morais individuais, irrelevantes para o Estado, que hoje reconhece as mais variadas formas de celebração deste contrato.

    O deslocamento da essência do casamento operado pelo direito reflete, na verdade, uma mudança mais profunda no seu próprio paradigma teórico. Enquanto ciência social aplicada, o direito não se desenvolve isoladamente, mas se ancora em fundamentos epistemológicos externos, os quais, conforme a análise de Auguste Comte, evoluíram historicamente da teologia, passando pela metafísica, até alcançar a sociologia como estágio final do pensamento positivo.

    Assim, o direito positivo deixa de operar como instrumento de uma moral religiosa, ideal ou mesmo convencional, e passa a operar como técnica de gestão social orientada pela autonomia individual. O casamento, consequentemente, não é mais reconhecido como um vínculo dotado de validade objetiva — seja por fundamentos religiosos, por princípios éticos universais ou mesmo pela moralidade compartilhada de uma comunidade —, mas apenas como um acordo de vontades, reversível à medida que essas vontades se alterem. A facilitação legal do divórcio, portanto, não é apenas uma resposta a transformações sociais, mas também um vetor ativo de reorganização simbólica da vida comum, em consonância com o paradigma sociológico que orienta o direito contemporâneo.

 
Artur Azevedo Rodrigues – 1º ano – Direito (noturno)

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