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quarta-feira, 26 de março de 2025

Há quanto tempo constroem nossa memória?

A memória é uma ferramenta essencial que conecta o passado ao presente, permitindo que histórias individuais e coletivas se encontrem e contribuam para formação da nossa identidade. É nesse diálogo entre o ontem e o hoje que somos chamados a revisitar narrativas apagadas e interpretá-las a luz da atualidade. 

No livro Memórias de Plantação: episódios de racismo cotidiano, Ganda Kilomba nos convida a refletir sobre o racismo no mundo contemporâneo e a forma como ele permanece profundamente enraizado em várias esferas da sociedade. A autora destaca que essa problemática também afeta o ambiente acadêmico e a produção de conhecimento que surge dele. Kilomba demonstra como, atualmente, aqueles que se dizem responsáveis por gerar conhecimento frequentemente desqualificam suas ideias, usando argumentos impregnados de preconceito, mas mascarados de neutralidade. Esses argumentos buscam rotular o saber da autora como subjetivo ou emocional, desviando-o do que é considerado "legítimo". 

Nessa perspectiva, o pensamento positivista de Auguste Comte, ao priorizar a ciência como única forma legítima de conhecimento e relegar outros saberes a esferas secundárias, ajuda a compreender a crítica de Kilomba ao racismo epistemológico presente na academia. Enquanto o positivismo buscava uma suposta neutralidade científica, muitas vezes excluindo narrativas subjetivas, Kilomba mostra como essa "neutralidade" tem sido usada para deslegitimar experiências e memórias de grupos historicamente silenciados. Assim, sua obra desafia essa herança ao evidenciar o saber ancestral como um elemento essencial para a construção de um pensar mais justo e inclusivo, pois em um mundo em que a desigualdade social se mostra como uma ferida aberta e há muitos séculos não cicatrizada, a memória e o conhecimento tornam-se os melhores dos curativos: resistência.

Assim, pode-se compreender a memória enquanto uma poderosa arma contra as estruturas que sustentam o racismo. Ao resgatar histórias apagadas e dar voz ao que foi silenciado, reafirmamos a importância de enfrentar preconceitos enraizados e construir uma sociedade mais justa. É no ato de lembrar e recontar que nasce a possibilidade de transformação, de cura e de resistência frente à opressão e preconceito. E tal luta deve ser diária, constante e provavelmente será eterna, para que um dia possamos nós contarmos nossas narrativas e sermos os próprios que constroem nossa memória.

Pedro Augusto da Costa Leme - 1º ano Direito, matutino 

Um comentário:

  1. Olá, Pedro, tudo bem? Texto muito bem escrito. Reflexões muito boas. De fato, a construção de memórias e mesmo da ciência não terminam ou, como disse, "...tal luta deve ser diária, constante e provavelmente eterna...". Todavia, no tema do racismo, observo que há evoluções e involuções. A própria ideia conceitual do racismo estrutural é algo relativamente novo, construída mais recentemente, claro, a partir da observação e das memórias. Precisamos, a meu sentir, refletir se, nessa eternidade, conceitos mais remotos ainda são legitimados hodiernamente. Em outras palavras, não seria cientificamente correto revolver conceitos de racismo que, de alguma maneira, foram superados ou substituídos. Ou até seria correto, mas de pouca serventia para uma autêntica evolução científica. São apenas ideias, que ao fim e ao cabo não negam a existência do racismo, mas buscam compreender sua atual dimensão, com o objetivo de destruí-lo definitivamente. Porque, no ponto, o racismo é algo que não pode se eternizar. Concorda? Um abraço, Alexandre.

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