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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 

Quando falamos do espaço dos possíveis de Bourdieu no que tange à criminalização da homotransfobia, temos um poder simbólico baseado na heteronormatividade, dessa forma, os indivíduos que se enquadram dentro do grupo LGBTQIAPN+ acabam possuindo menos capital social dentro da sociedade brasileira. Quando analisados os dados de violência e contextos sociais e culturais em que esta população está inserida, existe um espaço para que sejam elaboradas legislações específicas que visem proteger esse público, principalmente quando é realizada uma análise da jurisprudência brasileira no que diz respeito à crimes cometidos com teor de ódio e discriminação relativa à orientação sexual.

Dado o histórico de crimes de ódio contra essa população, que o acórdão ADO 26 ao trazer a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa e que a jurisprudência brasileira reforça as agressões e homicídios desta população por motivo torpe, há espaço para elaboração de legislação específica que atenda ao público prejudicado. Ainda,  a determinação do STF, em 2019, enquadrou a discriminação contra pessoas LGBTQIAPN+ nos crimes previstos na Lei do Racismo até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional.

            Assim, há um conflito dentro do campo principalmente social. É possível evidenciar movimentos sociais conservadores e progressistas que trazem ideias opostas, causando um conflito dentro da percepção do "espaço dos possíveis" conforme o desenvolvimento da sociedade brasileira e a presença de grupos específicos dentro e fora do Congresso Nacional.

Também é possível expressar a racionalização do direito através do poder formal na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em seu artigo 2°, protege toda mulher da discriminação com base na orientação sexual. Este mesmo artigo foi utilizado na elaboração de jurisprudência conforme evidenciado no processo de violência doméstica contra mulher trans: RECURSO ESPECIAL. MULHER TRANS. VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APLICAÇÃO DA LEI N. 11.340/2006, LEI MARIA DA PENHA. CRITÉRIO EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICO. AFASTAMENTO. DISTINÇÃO ENTRE SEXO E GÊNERO. IDENTIDADE. VIOLÊNCIA NO AMBIENTE DOMÉSTICO. RELAÇÃO DE PODER E MODUS OPERANDI. ALCANCE TELEOLÓGICO DA LEI. MEDIDAS PROTETIVAS. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.

No Brasil a população LGBTQIAPN+ é estimada em até 20MM de pessoas de acordo com a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), o que representa até 10% da população, sendo que o número de parlamentares que se enquadra na comunidade não chega a 0,5% do total do Congresso. A crise de representatividade do legislativo promove que o Judiciário tenha um papel ativo na legislação, com seu fortalecimento como poder.

É possível observar, conforme aponta Garapon e  Barroso, que o Judiciário não pode se exequir de julgar quaisquer casos, dessa forma, está constantemente criando material e fonte legislativa e de Direito, o que Bourdieu chamou de historicização da norma. Conforme Barroso propõe, ao Judiciário cabe decidir os casos e, ao aplicar a Constituição nestas decisões, está tomando como base um texto legislativo construído a partir do poder representativo. Dessa forma, Garapon aborda o indivíduo como um sujeito sofredor e frágil, situação inerente à existência da democracia, portanto o judiciário acaba por assumir o papel de tutela deste sujeito que está marginalizado.

Nessa conjuntura, tem-se o artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que coloca como objetivo fundamental da República Federativa promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, o artigo 5º estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sendo invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Conforme Celso de Mello:

O Congresso Nacional, agindo com preconceituosa indiferença em relação à comunidade LGBT, tem permitido, em razão de sua inércia, a exposição e a sujeição dos homossexuais, transgêneros e demais integrantes desse grupo vulnerável a graves ofensas perpetradas contra seus direitos fundamentais, essencialmente caracterizadas por atos de violência física e moral, ameaças, práticas criminosas contra a sua própria vida ou sua dignidade sexual, inclusive mediante cometimento de estupros coletivos e corretivos (CP, art. 226, IV, “a” e “b”, na redação dada pela Lei no 13.718/2018), condutas essas geralmente impregnadas de visceral ódio homofóbico e/ou transfóbico.

 

É possível exemplificar a omissão do Poder Legislativo quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito ao estabelecimento de união estável por casais homoafetivos. A ADI nº 4277 buscava reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. A ADPF nº 132 argumentava que o não reconhecimento feria os preceitos fundamentais da igualdade e liberdade, e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos previstos na Constituição Federal.

Segundo McCann, "A mobilização do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores." Quando falamos da criminalização da LGBTI+fobia, é possível ver uma movimentação de grupos de parlamentares, de indivíduos pertencentes à comunidade, coletivos e grupos da comunidade e os próprios tribunais que atuam na realização do Art. 5 previsto na Constituição Federal. Esta atuação se dá através de algumas iniciativas como manifestações populares, projetos de lei, decisões nos tribunais, entre outros.

Segundo McCann, "os tribunais frequentemente influenciam posições estratégicas das partes já engajadas em negociações políticas ou lutas relacionais em curso. Como tal, os 'precedentes' judiciais (...) podem influenciar de modo significativo no aumento relativo de poder das diversas partes em conflito prolongado". Dessa forma, a jurisprudência, como historicização da norma prevista por Bourdieu, atua diretamente no contexto vigente, influenciando as lutas posteriores. Portanto, é de alta relevância que os indivíduos e grupos se mobilizem para fazer valer seus direitos, interesses e valores, pois os próprios tribunais, conforme proposto por McCann, podem tomar ações e decisões que modelam as estratégias de outros poderes, acelerando, imobilizando ou redirecionando a trajetória das ações dos mesmos.

Karina Rodrigues Paulino da Costa

RA: 221224475

Turno: Noturno

 

 

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