Diante de muita luta oriunda dos campos sociais minoritários – os quais detêm, historicamente, menor poder simbólico em relação aos grupos majoritários –, reconhece-se, pelo menos ao que concerne o aspecto formal, a irrecusável magnitude da pluralidade social. Assim, compreende-se que a criminalização da homofobia, pauta a qual revela relevância e urgência, também está inserida, de modo sucinto, no “espaço dos possíveis” – terminologia disciplinada por Bourdieu. Ademais, a respeito da pauta ser considerada eminente, é importante considerar que, em primeiro lugar, as discriminações precisam ser combatidas pelos poderes competentes, por “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, contemplado no art. 3°, inciso IV; em segundo lugar, embora a legislação existente até então já estabeleça que se deve punir as discriminações referidas, o atual quadro de violência em razão da orientação sexual e da identidade de gênero explicitam que a tipificação penal genérica não é eficiente para efetivamente coibir a fomentação de tais práticas de cunho homofóbico.
Outrossim, é importante versar que, neste contexto em que foi explicitado que a homofobia deve ser considerada um agravante nos crimes de violência e de ódio, o Poder Legislativo permaneceu inerte em relação à criminalização da homofobia. Sendo assim, neste ponto, é imperioso destacar grave advertência ao Parlamento Brasileiro, uma vez que este deixou de realizar uma função que lhe é incumbida constitucionalmente.
Como efeito da omissão legislativa, realiza-se dois apontamentos. Em um primeiro momento, a discussão demandada pela sociedade é atribuída ao Judiciário – vale mencionar que esta função foge de sua competência –, situação que ilustra a ocorrência do fenômeno denominado “magistratura do sujeito”, explicado pelo sociólogo francês Antoine Garapon. Em um segundo momento, constata-se que não haveria outra alternativa senão trazer ao Supremo Tribunal Federal (STF) a consagração desses direitos fundamentais.
Assim, tal assunto foi tratado e julgado procedente pelos ministros do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 26 de 2019. É importante mencionar, antes de mais nada, que a ADO foi impetrada, ante a mora inconstitucional do Poder Legislativo, pelo Partido Popular Socialista (PPS), o qual visou objetivar a promoção dos direitos do grupo LGBTQIA+ e o enfrentamento à homotransfobia. Assim, tal partido político assume o papel de “mobilização do direito”, termo idealizado e difundido por McCann, isto é, a questão demandada não é simplesmente preconizada pelos tribunais, e sim pelo PPS que se mobilizou para reivindicar os direitos do grupo subjugado.
Por ter sido julgada procedente, é tão óbvio constatar, mas que merece alusão, que os demais agentes estatais e a própria sociedade foram condicionados, portanto, a aceitar tal ilustre decisão, uma vez que é certo que as normas possuem vínculo obrigacional. A criminalização da homofobia, além de passo significativo na luta contra tal forma de discriminação e de que certamente reperticurá nas futuras demandas em relação aos direitos do grupo LGBTQIA+, é consoante à essência pluralista da Constituição Cidadã, à medida que se cita, a exemplificação, o art. 5°, inciso XLI, o qual estabelece que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Ademais, é válido destacar, ainda sob esse raciocínio, que a plena e efetiva interpretação do texto constitucional revela a projeção da decisão expressa do julgado. Se não, caso a referida ADO fosse julgada improcedente, implicaria a reafirmação da força antidemocrática e inconstitucional que o Poder Legislativo ora exerceu ao agir, seja de modo moroso, seja de modo omissivo, em relação à criminalização da homotransfobia. Beatriz Naomi Horikawa Chaves Matutino | 2° semestre
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