O papel da defensoria na luta pelos direitos fundamentais
A Defensoria Pública no Brasil possui uma
importância ímpar que visa corrigir as decorrentes deficiências estruturais do
sistema. Segundo Boaventura de Sousa Santos, a Defensoria age na
“operacionalização da sociologia das ausências”, um papel essencial em um país
repleto de injustiças e vícios presentes em nosso sistema judicial, que opera
em uma perspectiva hegemônica e elitista.
“Noutras palavras, cabe aos defensores públicos aplicar
seu quotidiano profissional a sociologia das ausências, reconhecendo e
afirmando os direitos dos cidadãos intimidados e impotentes, cuja procura por
justiça e o conhecimento do/s direito/s têm sido suprimidos e ativamente
reproduzidos como não existentes”.
Neste ponto, podemos buscar a atuação da Defensoria Pública diante do cenário de encarceramento em massa dos
brasileiros. Visto que, o sistema penal brasileiro age de modo punitivista,
principalmente contra a população mais vulnerável. Homens e mulheres, a maioria
negros e pobres são os que mais sofrem com decisões arbitrárias e ambíguas, que
denotam uma pré-disposição em punir. A pesquisadora Débora Diniz em seu livro
“Cadeia: Relato sobre mulheres", nos descreve o perfil das presas.
“(...) soube que uma em cada quatro presas viveu em reformatórios na
adolescência, muitas sofreram violência, usaram drogas, roubaram coisas e
sobreviveram perambulando pelas ruas. Elas são jovens, negras, pobres e com filhos. Uma multidão de mulheres
abandonadas. Chegaram à Penitenciária Feminina do Distrito
Federal pelo confuso tipo penal “tráfico de drogas”, e por ali
permanecerão alguns anos. Muitas
sem sentença, chamadas de provisórias, outras já acostumadas a sair e voltar".
Desde 2019, houve um aumento no número de prisões
provisórias, sendo cerca de 31% do total de presos que atualmente aguardam
julgamento privados de liberdade. Deste modo, podemos perceber uma certa pré-disposição
do nosso sistema judicial penal, em atuar pró o encarceramento em massa, mesmo
que isto signifique agir no arrepio da legislação. Dito isto, pois desde 2015,
o STF, por meio da ADPF nº 347, em uma ação ajuizada pelo partido socialismo e
liberdade, PSOL, declarou formalmente que o sistema carcerário brasileiro se
encontra em um Estado de Coisas Inconstitucional. Ou seja, reconhece que nossas
prisões violam sistematicamente os direitos fundamentais, seja através de
omissão ou com a comissão do Poder Público.
Assim, o STF criou parâmetros legais para que
seja possível a criação de medidas que visem alterar a situação de calamidade
do sistema prisional brasileiro, algo que não necessariamente vem sendo seguido
à risca, muito menos influenciando as decisões dos juízes. Um estado de caos que
pode ser visto através das superlotações das prisões, violências físicas e
psicológicas dos presos, além dos abusos relacionados às prisões preventivas e à falta ou inexistência quando o assunto é audiências de custódia no Estado.
Mesmo que os problemas citados acima ainda
permaneçam sendo a regra, tal medida do STF abriu espaço para que fosse
possível a criação jurisprudencial em diversos casos, para assim garantir que
os direitos fundamentais mais básicos aos brasileiros presos fossem garantidos.
Um caso que chamou bastante atenção foi sobre a situação de diversas mulheres
gestantes ou com seus filhos, que estavam expostas as precariedades do nosso
sistema prisional. A ADPF nº 347 foi usada para prover uma decisão inédita, proferindo
um Habeas Corpus Coletivo, de modo a conceder as mães o direito de substituir a
prisão preventiva pela domiciliar.
A
decisão nº143.641/SP, conseguiu livrar as mães e seus filhos de serem mantidos
em cárcere em caráter provisório, ou seja, sem que houvesse uma condenação de
fato. A decisão, proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, levou em
consideração a solicitação da Defensoria Pública de vários estados para
conceder a limitar coletiva com o argumento de:
I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos
problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos,
especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis.
A ideia de Boaventura de Sousa Santos
torna-se clara, na medida que vemos a seletividade da justiça criminal, isso
coloca em evidência a importância da defensoria pública para confrontar com os
outros órgãos pertencentes ao Estado. A partir deste argumento, podemos citar
Zaffaroni (2015), ele ressalta que o poder punitivo do Estado trabalha com
estereótipos, rotulações, características criminalizantes que influenciarão
todo o processo de persecução penal. Deste modo, a Defensoria age como um
ente garantidor de direitos, defendendo a população mais carente e trabalhando
para diminuir as desigualdades nas decisões judiciais e humanizar nosso Direito
e nossa Justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário