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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O direito entre novas institucionalidades e a perspectiva contra-hegemônica (Boaventura de Sousa Santos)

O papel da defensoria na luta pelos direitos fundamentais

A Defensoria Pública no Brasil possui uma importância ímpar que visa corrigir as decorrentes deficiências estruturais do sistema. Segundo Boaventura de Sousa Santos, a Defensoria age na “operacionalização da sociologia das ausências”, um papel essencial em um país repleto de injustiças e vícios presentes em nosso sistema judicial, que opera em uma perspectiva hegemônica e elitista.

“Noutras palavras, cabe aos defensores públicos aplicar seu quotidiano profissional a sociologia das ausências, reconhecendo e afirmando os direitos dos cidadãos intimidados e impotentes, cuja procura por justiça e o conhecimento do/s direito/s têm sido suprimidos e ativamente reproduzidos como não existentes”.

Neste ponto, podemos buscar a atuação da Defensoria Pública diante do cenário de encarceramento em massa dos brasileiros. Visto que, o sistema penal brasileiro age de modo punitivista, principalmente contra a população mais vulnerável. Homens e mulheres, a maioria negros e pobres são os que mais sofrem com decisões arbitrárias e ambíguas, que denotam uma pré-disposição em punir. A pesquisadora Débora Diniz em seu livro “Cadeia: Relato sobre mulheres", nos descreve o perfil das presas.

“(...) soube que uma em cada quatro presas viveu em reformatórios na adolescência, muitas sofreram violência, usaram drogas, roubaram coisas e sobreviveram perambulando pelas ruas. Elas são jovens, negras, pobres e com filhos. Uma multidão de mulheres abandonadas. Chegaram à Penitenciária Feminina do Distrito Federal pelo confuso tipo penal tráfico de drogas”, e por ali permanecerão alguns anos. Muitas sem sentença, chamadas de provisórias, outras já acostumadas a sair e voltar".

Desde 2019, houve um aumento no número de prisões provisórias, sendo cerca de 31% do total de presos que atualmente aguardam julgamento privados de liberdade. Deste modo, podemos perceber uma certa pré-disposição do nosso sistema judicial penal, em atuar pró o encarceramento em massa, mesmo que isto signifique agir no arrepio da legislação. Dito isto, pois desde 2015, o STF, por meio da ADPF nº 347, em uma ação ajuizada pelo partido socialismo e liberdade, PSOL, declarou formalmente que o sistema carcerário brasileiro se encontra em um Estado de Coisas Inconstitucional. Ou seja, reconhece que nossas prisões violam sistematicamente os direitos fundamentais, seja através de omissão ou com a comissão do Poder Público.

Assim, o STF criou parâmetros legais para que seja possível a criação de medidas que visem alterar a situação de calamidade do sistema prisional brasileiro, algo que não necessariamente vem sendo seguido à risca, muito menos influenciando as decisões dos juízes. Um estado de caos que pode ser visto através das superlotações das prisões, violências físicas e psicológicas dos presos, além dos abusos relacionados às prisões preventivas e à falta ou inexistência quando o assunto é audiências de custódia no Estado.

Mesmo que os problemas citados acima ainda permaneçam sendo a regra, tal medida do STF abriu espaço para que fosse possível a criação jurisprudencial em diversos casos, para assim garantir que os direitos fundamentais mais básicos aos brasileiros presos fossem garantidos. Um caso que chamou bastante atenção foi sobre a situação de diversas mulheres gestantes ou com seus filhos, que estavam expostas as precariedades do nosso sistema prisional. A ADPF nº 347 foi usada para prover uma decisão inédita, proferindo um Habeas Corpus Coletivo, de modo a conceder as mães o direito de substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

            A decisão nº143.641/SP, conseguiu livrar as mães e seus filhos de serem mantidos em cárcere em caráter provisório, ou seja, sem que houvesse uma condenação de fato. A decisão, proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, levou em consideração a solicitação da Defensoria Pública de vários estados para conceder a limitar coletiva com o argumento de:

I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis.

A ideia de Boaventura de Sousa Santos torna-se clara, na medida que vemos a seletividade da justiça criminal, isso coloca em evidência a importância da defensoria pública para confrontar com os outros órgãos pertencentes ao Estado. A partir deste argumento, podemos citar Zaffaroni (2015), ele ressalta que o poder punitivo do Estado trabalha com estereótipos, rotulações, características criminalizantes que influenciarão todo o processo de persecução penal. Deste modo, a Defensoria age como um ente garantidor de direitos, defendendo a população mais carente e trabalhando para diminuir as desigualdades nas decisões judiciais e humanizar nosso Direito e nossa Justiça.

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