A eterna capitania hereditária a serviço dos interesses do Norte.
O
Brasil é um país com dimensões continentais, possuidor de um vasto e rico solo
propício para o plantio dos mais diferentes grãos, ervas e sementes. Um terreno
tão fértil, que garantiria uma alimentação digna para toda nossa população,
caso assim fosse proposto. Além disso, poderia funcionar como uma ferramenta capaz
de promover a justiça social, com o desenvolvimento sustentável, garantindo
acesso à moradia e trabalho digno para aqueles que atualmente se encontram sem
perspectivas de trabalho no campo ou para aqueles que vivem a margem que
sociedade nas grandes cidades.
Porém, desde
o início da dominação portuguesa no Brasil, a regra mostrou-se o inverso.
Neste ponto, o que vemos é a predominância de latifúndios improdutivos ou
direcionados para a monocultura, um sistema que visa atender à uma lógica
exportadora, predadora e perpetuadora de privilégios. De modo que, ao concentrar
grandes porções do nosso território apto para cultivo nas mãos de uma elite,
segue os mesmos preceitos daqueles em que o Rei de Portugal implantou quando
dividiu o Brasil em capitanias hereditárias. Neste ponto, podemos identificar
através de nossa história, muita rejeição a qualquer forma que reorganize as
terras brasileiras. A luta pela reforma agrária sempre encontrou resistência em
grande parte da nossa sociedade, seja pertencente a elite ou mesmo às classes
não tão abastadas. As motivações não parecem ser tão diferentes daquelas vistas
a partir do século XVI, pois, além da organização latifundiária ser
predominante, o uso das terras serve para abastecer a demanda da metrópole, a
lógica do mercado.
Mesmo
que no artigo 5º da nossa atual constituição esteja prevista a função social da
propriedade com o objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a
todos os cidadãos brasileiros, na prática a realidade se mostra bem distante. Recentemente,
um caso de reintegração de posse da Fazenda Primavera, exemplifica bem tal
processo. Visto que, o próprio sistema judicial brasileiro julgou como
improcedente a solicitação do uso da função social da terra pelo MST, alegando
que a demanda não é adequada para o debate, ou seja, mesmo que a constituição
trate o assunto como um direito fundamental, nossa justiça julga como um
simples caso de direito à propriedade.
Sara
Araújo em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos
conceitos, desafiar o cânone”, diz que: “esse modelo jurídico, que se apresenta
como técnico e não político respeita mais os mercados do que as pessoas,
atropela ordenamentos jurídicos que regem outras culturas e outras organizações
políticas e cria a sociedade civil incivil”.
Se
no passado a cana de açúcar servia aos interesses econômicos do reino
português, atualmente, a soja plantada em centenas de milhares de hectares
serve para atender a demanda das metrópoles capitalistas ao norte do globo. Um
sistema voltado à exportação de commodities que segue em crescimento, mesmo em
um momento de estagnação econômica do Brasil. Podemos perceber tal predileção
através dos dados publicados pelo IPEA em julho de 2021, que demonstram um
crescimento de mais de 33% nas exportações, em relação ao mesmo período do ano
passado. Enquanto isso, a insegurança alimentar cresce exponencialmente
atingindo mais de 19 milhões de brasileiros.
A
partir deste raciocínio, podemos traçar uma visão eurocêntrica, perpetuadora
dos interesses estrangeiros e de uma elite que se importa mais com o lucro
desmedido, do que com o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Deste
modo, o nosso sistema judiciário não interfere no tocante, pelo contrário,
coloca-se como um promulgador do modelo dominante do norte. Servimos para
servir os interesses do colonizador eternamente, mesmo que nossa independência
tenha vindo há 200 anos, na prática as capitanias hereditárias nunca deixaram
de existir.
O Brasil tem dono e ele não é o povo brasileiro. Os que são detentores dos latifúndios, estão apenas replicando a vontade de seus senhores do Norte. Produzimos café, cana de açúcar e atualmente produzimos soja para os verdadeiros donos do Brasil. Porém, não produzimos a mudança social necessária para livramo-nos da ordem dominante capitalista que afaste nosso povo da miséria. Pelo contrário, visto que movimentos contra-hegemônicos, tal como o MST no caso da Fazenda Primavera, são taxados de vagabundos, de invasores, de modo que são visto como irrelevantes aos olhos do grande mercado capitalista e para o nosso sistema judiciário. Nesse ponto, Sara Araújo, nos ajuda a compreender este sistema ao dizer que: “monocultura jurídica despreza os direitos locais e os universos jurídicos que regem formas de produtividade não capitalistas e classifica como irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas as formulações jurídicas não modernas”.
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