O escritor britânico George Orwell narrou, em sua obra “1984”, o cotidiano de uma sociedade fictícia mergulhada em uma completa distopia após o desenrolar de uma grande guerra. Na trama orwelliana, desenvolvida na cidade de Londres, todos os caminhos trilhados pela sociedade da fictícia Oceânia eram ditados por um monocrata totalitário, apelidado de “O Grande Irmão”. Nesse contexto, um dos principais mecanismos de dominação e controle social empregados pelo líder tirânico era o completo redesenho de toda a história mundial sob sua ótica de interesse, por meio do Ministério da Verdade, além da Polícia do Pensamento, um aparato de coerção por meio da violência. Desse modo, embora as circunstâncias saídas da imaginação do escritor britânico sejam parte de uma livro de ficção, as relações de poder e dominação contidas em “1984” podem ser associadas às políticas modernas de controle social aplicadas pelo governo chinês, as quais dialogam com as ideias do pensador alemão Max Weber sobre as dinâmicas das relações sociais. Assim, faz-se conveniente analisar esse quadro sob a luz dessa corrente sociológica.
Primeiramente, deve-se pontuar que Max Weber, uma das personalidades mais notórias da sociologia moderna, desenvolveu um pensamento sociológico que, em muitos aspectos, contrastava com as ideias do funcionalismo, o qual tinha Durkheim como um de seus adeptos. Isso porque, consoante Weber, a investigação da sociedade tal como proposta pelo pensador francês - em que deveria-se aferir os elementos sociais de forma isenta, encarando-os como pequenas engrenagens - não era o método mais eficiente para compreender a complexidade das relações sociais, posto que estas seriam, na visão do alemão, partes fundamentais do motor da dinâmica social.
Com isso em mente, Max Weber elaborou diversas teorias, sendo uma delas a da noção de dominação, em que determinado indivíduo ou organização exerce suas aspirações sobre os demais. Nesse âmbito, na ocasião de haver aceitação da dominação, esta passa a ser caracterizada como legítima, podendo, ainda, ser classificada em três níveis: tradicional; carismática; e legal. À vista disso, em uma primeira análise, pode-se constatar que a Polícia do Pensamento - aparato de violência para fins de coerção empregado pelo governo em “1984” - enquadra-se como uma forma ilegítima de dominação, uma vez que não seria oriunda de um acordo ou consenso, mas sim de um ato puramente belicoso.
Paralelamente, pode-se relacionar a Polícia do Pensamento da trama orwelliana com a política do governo chinês de detenção de minorias muçulmanas em campos de reeducação pela força, na região de Xinjiang. Isso porque, com o intuito de reprimir os não adeptos à filosofia oficial do Estado, o regime de Pequim os despacha para o noroeste do país, ensinando-lhes a ideologia chinesa de maneira compulsória. Desse modo, sob a ótica da sociologia weberiana, essa postura do governo asiático configura-se como uma quebra de todos os tipos de dominação legítimas, já que, assim como a Polícia do Grande Irmão, ela caracteriza-se por um viés violento.
Contudo, vale ressaltar que no caso específico da China existe também a presença da dominação carismática como um dos métodos de imposição da vontade dos líderes do Estado - assim como em diversos outros regimes ao longo da história, como Vargas, no Brasil. Esse fato torna-se nítido quando se analisa a propaganda de Estado largamente difundida que objetiva enaltecer a figura do ex-líder Mao Tse Tung, conferindo-lhe uma feição relacionada ao heroísmo e a generosidade, assegurando, assim, a devoção do povo chinês aos princípios do governo, tendo em vista que este seria a materialização contemporânea das atitudes defendidas pelo carismático Mao.
Portanto, fica nítido que as ideias trabalhadas por Max Weber são de grande importância para o entendimento da realidade. Ora, partindo-se da teoria de que as ações sociais são cruciais para o andar da sociedade, infere-se que analisar essas ações à luz da sociologia weberiana é indispensável para que tenha uma maior compreensão dos fenômenos sociais, como nos casos do exercício do poder e dominação na obra “1984” e no âmbito do governo chinês aqui analisados.
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