Em seu livro “Da divisão do
trabalho social”, o sociólogo francês Émile Durkheim expõe e argumenta sobre a
função do direito na sociedade. Para estabelecer essa função, o escritor
diferencia o direito nas sociedades “pré-modernas” e “modernas”. Segundo
Durkheim, o direito pré-moderno assume um papel de direito punitivo, punindo de
maneira passional o desrespeito a norma que está inserida na consciência
coletiva daquela sociedade. A natureza da pena atravessa o próprio impacto
social causado pelo crime. Já nas sociedades modernas, o direito assume um
papel restitutivo, regulando as funções daquela sociedade. Dessa forma, o
direito e a penalização se torna técnica, e não mais emocional, buscando
instituir e reparar os limites de atuação, prezando pela manutenção da
solidariedade (ou seja, promover a coesão social e a segurança jurídica, de
modo a que todos cumpram suas funções na sociedade sem prejudicar os demais).
Todavia, ao fazer essa analise Durkheimiana, é possível dizer que o direito
brasileiro condiz com esse que se identifica nas sociedades modernas?
A verdade é que a justiça brasileira é arbitrária na
criminalização e punição. Apesar de contar com toda a tecnicidade do direito, o
caráter restitutivo do mesmo só se mostra presente em determinadas situações:
quando aqueles que ferem a norma e a coesão social ocupam posições de
prestígio, ou são privilegiados economicamente e socialmente. Entretanto, qual
a ordem social é afetada por membros da sociedade de camadas mais populares e
menos influentes, o direito brasileiro assume um caráter extremamente punitivo,
institucionalizado e não institucionalizado.
Os exemplos dessa diferenciação são frequentes: o atual
ministro da cidadania Onyx Lorenzoni recentemente admitiu participação em um
esquema de caixa 2 onde recebeu mais de 300 mil reais. Contudo, o ministro
entrou em um acordo de não persecução penal com a PGR e vai pagar uma multa de
189 mil reais. Essa situação jamais ocorreria caso o crime fosse cometido por
alguém de menor prestígio social que o ministro. Foi o caso Cristiane Ferreira
Pinto, presa em 2018 por roubar alimento para dar de comer a seus dois filhos,
tendo o pedido de liberdade provisória negado apesar de grávida de 9 meses por
“evidente risco à ordem pública”. Teria o crime de Cristiane um efeito negativo
maior sob a coesão social e a ordem pública do que o crime do ministro Onyx? As
penas são claramente desproporcionais.
Além disso, há no Brasil a questão do direito “popular”, ‘feito com as próprias mãos”, que fere todo o aspecto de modernidade e técnica na aplicação do direito. O professor e sociólogo José de Souza Martins fez pesquisas sobre a cultura do linchamento no Brasil, afirmando que a frequência de linchamentos no país é uma das mais altas do mundo, e as vítimas são quase sempre pertencentes a grupos sociais marginalizados, com crimes que não fazem jus a intensidade de sua “pena” ou mesmo que não cometeram crime, sem chance de defesa.
Conclui-se que, sob a ótica de Durkheim, o Brasil não seria uma sociedade moderna no que diz respeito a aplicação do direito. Outro ponto de vista seria de que a analise de Durkheim foi demasiadamente generalista, sem consideras as nuances presentes nas sociedades reais. De qualquer modo, o direito brasileiro possui sérias deficiências no que diz respeito a aplicabilidade prática dos princípios que deveriam regê-lo.
Fontes:
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/acordo-de-onyx-abre-precedente-especifico-e-mostra-peso-da-avaliacao-do-ministerio-publico-avaliam-juristas/
https://exame.com/brasil/gravida-de-9-meses-esta-em-presidio-de-sp-por-furto-de-comida/
MARTINS. José de Souza. Linchamentos:
a Justiça Popular no Brasil. São Paulo: Contexto, 2015.
DURKHEIM. Émile. Da divisão
do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Matheus Guimarães Ferrete - 1º ano Direito (noturno).
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