Os movimentos sociais como atores do Direito
O cientista político americano Michael W.
McCann estabelece um aumento no poder dos tribunais nos últimos anos, exercendo
um papel cada vez mais político na defesa dos direitos. Para o autor, “os
tribunais vêm atuando cada vez mais fortemente porque se encontram em posição
privilegiada para solucionar problemas de ação coletiva, que paralisam a
legislação”. A hipótese mais plausível para McCann sobre o fortalecimento do
Poder Judiciário é a abordagem institucional histórica, em que esse
fortalecimento teria influência de atores diversos movidos pela lógica da mobilização
do direito, já que a maioria dos trâmites de projetos de leis são demorados,
pois Deputados e Senadores evitam o comprometimento em decisões polêmicas.
Segundo McCann, “mobilização do direito se
refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de
seus interesses e valores”. Ou seja, o autor traça que por trás das demandas judiciais
existe a atuação de movimentos sociais, que solicitam intervenção judicial na
defesa de seus direitos (das minorias que representam). Dessa forma, o foco se
desloca dos tribunais para os movimentos sociais e suas formas de articulação e
de atuação. Situação que o autor denomina como revolução de baixo para cima,
caracterizando as mudanças que partem da pressão que vem “de baixo”, de
movimentos sociais de minorias, e não “de cima”, de constituições/leis.
Nesse sentido de mudança de baixo para cima,
temos como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26)
ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS). Na qual se demanda,
principalmente, a criminalização específica de todas as formas de homofobia e
transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e
coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela
orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima. Baseado
nos princípios fundamentais dos direitos humanos de direito à igualdade e à não
discriminação - artigo 5º, inciso XLI da Constituição Federal de 1988.
A discriminação à um determinado grupo é um
entrave ao e bem-estar desenvolvimento social, e compreendendo o Direito como
um dos possíveis meios para a transformação social, certos movimentos sociais
em prol da criminalização da homofobia e transfobia ingressaram na ADO 26 como amicus
curiae fornecendo subsídios (dados sobre a violência LGBTIfóbica, por exemplo)
para o julgamento da causa. Dentre esses movimentos, podemos citar o Grupo Gay da
Bahia – GGB; a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Intersexos – ABGLT; Associação Nacional de Travestis e
Transexuais – ANTRA; e dentre outros.
Em esclarecimentos ao relator da ADO 26, Ministro
Celso de Mello, a ANTRA profere que “criminalizar uma violência específica é
tirar da invisibilidade, reconhecer a existência e discutir formar de enfrentar
esta ferida aberta que aumenta a cada ano. A partir da criminalização podemos
pensar em levantamento de dados, campanhas focais, mapeamento dos índices e
marcadores da violência e combater a impunidade. Além de pensar ações
educativas e preventivas para as questões de LGBTIfobia familiar, institucional
e social”.
McCann estabelece que o conhecimento do direito,
demonstrado e solicitado pela ANTRA, é a ignição para ação política feita pelos
usuários (sujeito sociais), e que são esses atores que levantam as temáticas
que geram mudanças sociais e institucionais. A emancipação provem da luta social.
O que fica claro quando o autor enuncia “Direito, não obstante, é uma
linguagem, um conjunto de lógicas, valores e entendimentos que as pessoas
conhecem, esperam, aspiram e se sentem portadores. E o Direito também é um
conhecimento instrumental sobre como agir para alcançar esses fins”.
Um dos pontos discutidos nos votos dos
Ministros foi a mora legislativa na edição de projetos de lei no que tange a
homofobia e a transfobia. O Ministro Ricardo Lewandowski enunciou “instituições
sensíveis aos reclamos de grupos sistematicamente excluídos da esfera política,
contando com o apoio – explícito ou implícito – dos atores políticos, os quais,
ao transferir sua responsabilidade para as instituições judiciais, evitam sua
responsabilização política por decisões impopulares. Efetivamente, os atores
políticos têm ciência de que são mais facilmente responsabilizados, perante
seus eleitores, por suas ações do que pelas respectivas omissões”. McCann tem
uma visão consoante com a do Ministro e atribuiu como fator importante para o fortalecimento
dos tribunais essa omissão dos políticos que delegam o processo decisório sobre
questões polêmicas para o Judiciário, assim se protegendo contra o ataque de
maiorias eleitorais futuras.
Por 8 votos a 3, o colegiado entendeu que a homofobia
e a transfobia se enquadram no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o
racismo. Pronunciando uma vitória para os movimentos sociais dessas minorias e mais
um passo para o tão sonhado fim da marginalização da comunidade LGBTI. Em
conclusão, como determinado por McCann, a manifestação desses movimentos
sociais, ocasionando a transformação social sobre o tema, veio como uma mudança
de baixo para cima demonstrando a possibilidade de avanço jurídico através da
mobilização do direito.
Referências Bibliográficas:
McCANN, Michael. “Poder Judiciário
e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do
Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola
da Magistratura Regional Federal da 2ª. Região/Emarf, p. 175-196.
Raquel Rinaldi Russo – 1º ano
Direito Matutino
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