O julgado em questão trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, número 26, do Distrito Federal, de Fevereiro de 2019, sob a relatoria do ministro Celso
de Mello, que chegou ao Supremo Tribunal Federal por requerimento do Partido
Popular Socialista contra o Congresso Nacional que, resumidamente, segundo o
ministro Ricardo Lewandowski, buscava pela criminalização específica de todos
os tipos de discriminação e violência contra a comunidade LGBT, devido à ordem
constitucional de enquadrar tais práticas ao crime de racismo, presente no
artigo 5°, inciso XLII, da CF/88, bem como as questões de discriminação que
ferem direitos e liberdades fundamentais. Participaram da ADO, 12 Amicus Curiae, dos mais diversos tanto
pró quanto contra.
Inicialmente pensamos que devido à gravidade do
assunto, deveria existir uma lei própria de criminalização para que tal grupo
fosse protegido de forma mais eficaz e direcionada, haja vista as inúmeras situações
em que sofrem discriminações, violências, homicídios, cometem suicídios, e
dentre outros casos que infelizmente estamos cansados de ver em noticiários, em
que os direitos fundamentais e a liberdade dessas pessoas, por ser quem são,
são violados brutalmente.
Porém, entramos em outra questão, a da mora por
parte do Legislativo, que seria o responsável por levar essa ação ao STF, uma
vez que há omissão por parte do Congresso, pois eles evitam discutir pautas
como essa por motivos, valores e crenças pessoais, ainda sabendo do caráter inconstitucional
de tais atitudes. Dessa forma, tendo em
vista a vulnerabilidade de tal grupo, colocar homofobia e transfobia junto ao crime
de racismo, seria a maneira mais “rápida”, e menos burocrática, de levantar a
questão de maneira a incitar algum tipo de resolução para o tema, e
consequentemente diminuir os casos.
Além disso, ainda que de forma diferente, em ambos
os casos (tanto racismo quanto LGBTfobia), há a marginalização, opressão, fruto
de um processo discriminatório histórico, e etc. Logo, tendo em vista os princípios
da lei antirracismo, também podemos considerá-los nas questões de orientação
sexual e gênero. Então, passando a analisar tais questões á luz de Michael
McCann, temos algo que o autor diz em relação à atuação dos tribunais, que, de simplesmente
ações como essa chegarem ao Supremo, já é uma prova do “protagonismo dos
tribunais” na sociedade, (que também nos remete a algumas ideias de Antoine
Garapon) fruto de uma provocação que vem de baixo (nesse caso a comunidade
LGBT), em busca da atuação que vem de cima, dos tribunais (nesse caso os
magistrados), provocação essa que surge de anseios sociais, buscando reconhecimento
e visibilidade para a conquista de seus direitos através do Direito. Estando
isso diretamente ligado ao conceito de McCann de “mobilização do Direito”.
Ainda em relação ao conceito de “mobilização do
Direito”, sob a análise do autor mencionado, segundo outro pensador utilizado
por McCann, Frances Zemans, “A lei é mobilizada quando uma necessidade ou
desejo é traduzido em uma reivindicação de lei ou afirmação de direitos legais”
[...] “Ele desloca o foco dos tribunais para os usuários e utiliza o direito
como um recurso de interação política e social”, tal proposição está
intimamente relacionada a ADO em questão, pois é a partir desse “novo foco” nos
usuários, que o direito passa a poder agir de acordo com as demandas vindas da
base, como já mencionado anteriormente.
Assim como
McCann diz, “[...] os tribunais são importantes por configurarem o contexto no
qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do direito”, demonstrando
sua influência (ativa), uma vez que a questão da criminalização da homofobia de
fato mobiliza o direito, e parte da necessidade de adequar ao ordenamento, ou
melhor, de incluir, algo tão importante e de profunda relevância para o
desenvolvimento social, nos levando a buscar uma hermenêutica jurídica que
possa de fato compreender os anseios da sociedade, bem como, a aplicação, não
apenas literal, de princípios fundamentais da Constituição Federal, reforçando
mais uma vez a questão do “foco nos sujeitos sociais”. Porém, isso não anula o
fato, que não podemos esquecer, de que os tribunais também são, segundo
palavras do autor, atores num complexo circuito de disputas políticas.
Por fim, há algo importante em ressaltar, presente na
seguinte ideia de McCann: “as ações dos tribunais fornecem diversos ‘precedentes’
estratégicos para as partes envolvidas em diferentes relações por toda a
sociedade. Tais precedentes tornam-se ‘fichas para negociação’, resultantes de
previsões sobre o que as partes conseguiriam se fossem parar nos tribunais ou
diante de outras autoridades jurídicas.” Quando há legitimação de lutas como
essa por meio de instâncias como o Supremo, permite-se que outras pautas possam
ser levantadas pela sociedade (também relacionado à ideia do “tribunal como
catalizador da ação político-social” do mesmo autor) e levadas para que ganhem
as devidas proporções jurídicas e possam dar visibilidade para os grupos
marginalizados, minoritários, que enfrentam lutas diárias muito mais complexas,
que vão além da discriminação, dos preconceitos, mas perpassam por todos os
aspectos da vida, principalmente psíquicos.
Pois em um
dos países que mais mata população LGBT, que mata mais homossexuais do que
países os quais criminalizam e punem essas relações, onde as taxas de suicídios
são muito elevadas e dentre inúmeras outras estatísticas, ainda que do ponto de
vista legal estejam “amparados”, que, mesmo que haja uma lei exata que
determine seus direitos ou criminalize os atos que divergem a eles, que exista
a CF que vai muito além do texto normativo, na prática não é assim que ocorre, a
sociedade não muda de uma hora para outra, e como mencionado inúmeras vezes na
ADO, devemos buscar uma mudança cultural e valorativa, juntamente a medidas
legais que possam explicitar a gravidade, para que paulatinamente vá havendo as
mudanças buscadas.
1° ano - Direito Matutino
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