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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Democracia e Justiça

Em 2011, chega ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade que visa equiparar as uniões estáveis homoafetivas às uniões igualmente estáveis que se dão entre pessoas de sexo diferente, bem como a suspensão dos processos e dos efeitos de decisões judiciais em sentido oposto. A decisão unânime dos ministros, que julga a ação procedente, passa por uma reflexão acerca da abrangência do poder judiciário na democracia.
Para a análise de tal fenômeno, associo os pensamentos de Antoine Garapon e Ingeborg Maus, os quais desenvolvem, cada um em seu tempo e contexto histórico, teorias acerca da judicialização da sociedade vigente. Garapon, francês, escreve em 1952 a obra “O Juiz e a Democracia – O Guardião de Promessas”, na qual desenvolve uma crítica à justiça e à democracia, defendendo a tese de que haveria um desamparo da política, refletido no aumento da demanda do poder judiciário. Maus, alemã, publica em 1989 a obra “Judiciário Como Superego da Sociedade o Papel da Atividade Jurisprudencial na Sociedade Órfã”, a qual parte de uma análise da tradição jurisprudencial alemã, a qual estaria, em sua perspectiva, cerceando a autonomia dos indivíduos.
Começo por associar a argumentação dos ministros no caso discutido ao pensamento de Garapon. Uma das grandes máximas defendidas pelo autor é que a proteção judicial ganha legitimidade em uma sociedade desigual. Neste caso, o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira retrata profunda desigualdade de tratamento perante o judiciário em relação às pessoas homossexuais. Isso iria de desencontro aos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º, inciso IV), e da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica. Por isso, a proteção judicial de que trata Garapon seria mais do que legítima, pois agiria como agente de estabelecimento à posteriori daquilo que deveria ter sido garantido anteriormente pelo poder legislativo. Dado o real enfraquecimento deste poder em administrar aquilo que Garapon enxerga como a complexidade e diversificação criadas pela própria sociedade, o poder judiciário se apresenta como espaço simbólico de instrução, decisão, conciliação e, principalmente, garantia de valores sociais comuns. Nesse aspecto, cabe crítica à falta de representatividade no legislativo das populações que fogem à heteronormatividade, deixando assim uma profunda lacuna que o judiciário tem por dever preencher para que se faça valer o princípio constitucional da isonomia.
As ideias de Maus, assim como as de Garapon, também podem ser utilizadas em favor da argumentação dos ministros no caso. A autora entende que, na sociedade que observa, o papel do pai como “superego” é transferido às diretrizes sociais. Desta maneira, o judiciário teria vontade de domínio cerceador da autonomia dos indivíduos e da soberania popular. Pois bem, considerando a falta de reconhecimento das uniões homoafetivas em âmbito legal, o Estado agiria em consonância com uma moral conservadora e excludente, a qual, segundo Maus, em união com a justiça resultaria em controle social. Assim, como entende a autora, o tribunal não pode ser definidor de todos os valores da sociedade, mas aqui incluo que tem como dever a garantia de direitos daqueles que tem seus valores legítimos negligenciados e desprotegidos pela moral do senso comum em âmbito social e legislativo.
Por fim, entendo que para que se faça de fato a democracia, não se pode ter uma justiça aliada a pensamentos discriminatórios, mesmo que estes estejam presentes nos discursos de membros do legislativo. Há de se considerar a profunda crise de representatividade que se tem nesse setor, e assim, o judiciário deve, e nada além disso, agir em consonância com os princípios constitucionais que devem abarcar a todos os cidadãos de um Estado democrático de direito.
Carolina Juabre Camarinha
Direito matutino

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