Em
2011, chega ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de
inconstitucionalidade que visa equiparar as uniões
estáveis homoafetivas às uniões igualmente estáveis que se dão
entre pessoas de sexo diferente, bem
como a
suspensão dos processos e dos efeitos de decisões judiciais em
sentido oposto. A
decisão unânime
dos ministros, que julga a ação procedente, passa por uma reflexão
acerca da abrangência do poder judiciário na democracia.
Para
a análise de tal fenômeno, associo os pensamentos de Antoine
Garapon e Ingeborg Maus, os
quais desenvolvem, cada um em seu tempo e contexto histórico,
teorias acerca da judicialização da sociedade vigente. Garapon,
francês, escreve em 1952 a obra “O Juiz e a Democracia – O
Guardião de Promessas”, na qual desenvolve uma crítica à justiça
e à democracia, defendendo a tese de que haveria um desamparo da
política, refletido no aumento da demanda do poder judiciário.
Maus, alemã, publica em 1989 a obra “Judiciário Como Superego da
Sociedade o Papel da Atividade Jurisprudencial na Sociedade
Órfã”, a
qual parte de uma análise da tradição jurisprudencial alemã, a
qual estaria, em sua perspectiva, cerceando a autonomia dos
indivíduos.
Começo
por associar a argumentação dos ministros no caso discutido ao
pensamento de Garapon. Uma das grandes máximas defendidas pelo autor
é que a proteção judicial ganha legitimidade em uma sociedade
desigual. Neste caso, o
não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira retrata
profunda desigualdade de tratamento perante o judiciário em relação
às pessoas homossexuais. Isso iria de desencontro aos
princípios constitucionais de dignidade
da pessoa humana (art.
1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º,
inciso IV), e da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º,
caput) e da proteção à segurança jurídica.
Por isso, a proteção judicial de que trata Garapon seria mais do
que legítima, pois agiria como agente de estabelecimento à
posteriori daquilo que deveria ter sido garantido anteriormente pelo
poder legislativo. Dado o real enfraquecimento deste poder em
administrar aquilo que Garapon enxerga como a complexidade e
diversificação criadas pela própria sociedade, o poder judiciário
se apresenta como espaço simbólico de instrução, decisão,
conciliação e, principalmente, garantia de valores sociais comuns.
Nesse aspecto, cabe
crítica à falta de representatividade no legislativo das populações
que fogem à heteronormatividade, deixando assim uma profunda lacuna
que o judiciário tem por dever preencher para que se faça valer o
princípio constitucional da isonomia.
As
ideias de Maus, assim como as de Garapon, também podem ser
utilizadas em favor da argumentação dos ministros no caso. A autora
entende que, na sociedade que observa, o papel do pai como “superego”
é transferido às diretrizes sociais. Desta maneira, o
judiciário teria vontade de domínio cerceador da autonomia dos
indivíduos e da soberania popular. Pois bem, considerando a falta de
reconhecimento das uniões homoafetivas em âmbito legal, o Estado
agiria em consonância com uma moral conservadora e excludente, a
qual, segundo Maus, em união com a justiça resultaria em controle
social. Assim, como entende a autora, o tribunal não pode ser
definidor de todos os valores da sociedade, mas aqui incluo que tem
como dever a garantia de direitos daqueles que tem seus valores
legítimos negligenciados e desprotegidos pela moral do senso comum
em âmbito social e legislativo.
Por
fim, entendo que para que se faça de fato a democracia, não se pode
ter uma justiça aliada a pensamentos discriminatórios, mesmo que
estes estejam presentes nos discursos de membros do legislativo. Há
de se considerar a profunda crise de representatividade que se tem
nesse setor, e assim, o judiciário deve, e nada além disso, agir em
consonância com os princípios constitucionais que devem abarcar a
todos os cidadãos de um Estado democrático de direito.
Carolina Juabre Camarinha
Direito matutino
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