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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O silêncio do legislativo e os avanços do judiciário


Acordaram os ministros do STF, nos autos da ADI nº 4.277-DF relatada pelo Ministro Ayres Britto prevento por já ser relator da ADPF nº 132-RJ (conhecida como ADI pelo plenário) que versava sobre tema similar, pela aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição ao artigo nº 1.723 do Código Civil para estender à união estável homoafetiva as mesmas regras e efeitos da heteroafetiva. Em decisão inédita, lastreando-se nos princípios constitucionais da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica e da razoabilidade, os ministros unanimemente supriram a omissão do direito positivo pátrio para estender às uniões de pessoas do mesmo gênero as mesmas consequências jurídicas da união de pessoas de gênero diverso.
A questão é fulcral no mundo moderno, a decisão precisa e coerente com os princípios do direito, impacta diretamente em questões patrimoniais e obrigacionais, garantindo a plenitude do direito e a segurança jurídica às relações que foram deixadas à margem da lei. Entretanto, para garantir a justiça, o guardião da constituição afastou a interpretação literal de um dispositivo da Carta para extrair dos princípios gerais nela implícitos, margem para conferir-lhe entendimento diverso. E a partir desse entendimento, lastreado mais sobre a razoabilidade e no autorreferenciamento, o Pretório Excelso – a título de afastar uma interpretação desconforme à Carta da República – acresceu à lei sentido que dela não era possível inferir ou pior, que à sua literalidade era contrário. O STF teve a coragem que os outros poderes, sagrados pelo voto popular, não tiveram, mas para tanto legislou.
O fim é nobre. A decisão urgia. Quem competia dispor, acovardou-se. O judiciário – ouvindo o tempo – antecipou-se à lei. Mas e quando – antecipando-se também à lei – decidir por restringir direitos ou respaldar sua restrição em lugar de ampliá-los?

Garapon possibilita uma leitura crítica da questão. Dentro da democracia liberal, o indivíduo dotado de autonomia e da energia inerente à liberdade (que é a nota marcante da modernidade), assiste a desidratação paulatina dos grupos representativos e dos magistrados naturais que geriam os embates sociais. Esse mesmo indivíduo projeta no judiciário a possibilidade de tutelar suas demandas. O direito deixa então sua função de arbitrar conflitos para tutelar os direitos desse indivíduo (e de grupos sem representatividade expressiva em órgãos majoritários) que passa a mover o judiciário para realizar seus direitos. Uma modificação drástica do próprio ofício do jurista, porque exige agora além do conhecimento da lei (e nesse caso, da literalidade da Constituição), um conhecimento orgânico da realidade e das políticas públicas e as falhas de sua ação que deixam ao desabrigo as demandas específicas desses grupos.
Maus complementa, ressaltando o perigo de conferir ao judiciário semelhante amplitude de campo de ação, posto que “[q]uando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social — controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização política democrática.” (p. 187)
O fato é que há deslocamento entre o legislativo, a quem a ordem constitucional legitimamente confere o poder de inovar o direito positivo, e a vontade geral difusa de uma sociedade: há uma crise de representatividade, um ruído no processo de representação precisamente em um dos poderes sagrados pelo voto popular, que engessa as possibilidades de discussão e evolução dos embates. Nesse contexto, o judiciário quer se projetar como tutor da sociedade, poder hipertrofiado, que ao suprir o silêncio dos demais, faz-lhes as vezes.

Genilson Faria - 1º ano noturno

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