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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

As linhas tortas da concretização dos direitos: Judiciário poderoso e Legislativo hibernante

     Em decisão unanime histórica de seus ministros, no ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 após o julgamento, de modo a reconhecer a união estável para casais homossexuais, além da exclusão de significado do artigo 1723 do Código Civil de 2002 (" É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."). A não-discriminação prevista no artigo 3º da Constituição Federal, bem como o rol de direitos visualizados no artigo 5º da mesma (como dignidade e liberdade - na questão sexual e afetuosa, especificamente nesse caso), são parte da base principal dos ministros na decisão que tomaram.
     Não é possível de deixar de notar o fenômeno crescente da judicialização da política no Brasil, endossando cada vez mais a incumbência do Poder Judiciário de alterar as normas previstas em lei para que as demandas da sociedade possam ser atendidas. Recordando-se de que a função de criação e de modificação das leis devam, teoricamente, ser função direcionada aos representantes eleitos pelo povo, é perceptível que estes, presentes na figura do Poder Legislativo, foram inertes em relação a questões importantes como o aborto de fetos anencéfalos e o próprio reconhecimento da união homoafetiva, que tramitava no Congresso Nacional há mais de duas décadas.
     Assim, denota-se que o STF, o considerado "guardião da Constituição", captura a responsabilidade de antecipar direitos que possam ser determinados com base na Magna Carta do país, tomando decisões em uma "democracia preocupada e desencantada", conforme diz o francês Antoine Garapon. Ademais, a suprema corte brasileira, partindo do respeito ao que já foi consagrado no Direito, é dotado de legitimidade democrática para poder reinterpretar e alterar leis, adquirindo um caráter proativo, ou seja, uma expressão de ativismo judicial, o que é explicado pela alemã Ingeborg Maus.
    Por outro lado, o custo é de, no mínimo, razoável onerosidade em dois sentidos: equilíbrio e liberdade. No primeiro, o ideal universal de harmonia e independência entre os três poderes proposto solidamente por Montesquieu séculos atrás está sendo deturpado, e, logo, o Judiciário se propõe a modificar as normas e julgar situações conforme a própria vontade (concretizada, evidentemente, ao ser legislador). Quanto ao segundo, como pontua também Garapon, o sujeito envolvido passa a ser tutelado pela corte, e, a partir deste ponto, infere-se que tanta interferência judicial, em determinado momento, poderá tomar decisões que não satisfaçam os indivíduos, cuja voz possivelmente seria ignorada, pois o Judiciário decide o que entende como melhor, e a cobrança sobre tal poder haveria de ser menor por ser representado por indivíduos não eleitos democraticamente.
      Destarte, entende-se que em uma sociedade democrática, é necessário que direitos sejam concretizados, como o reconhecimento da união homoafetiva como estável, e tal processo pode ser ansiado interpelando-se diretamente ao Poder judiciário em razão dos contratempos apresentados pelo Poder Legislativo; todavia, este não deve ser considerado um caminho natural, por extrapolar funções especializadas de cada parte e concentrar ainda mais poderes nas mãos de juristas. Que a Democracia sempre seja expressa, (muito) preferencialmente pela ordem natural das coisas.

Eduardo Cortinove Simões Pinto
1º ano - Direito Matutino

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