O poder simbólico e as decisões
judiciais
Pierre Bordieu, notável
influenciador do pensamento sociológico do século XX, analisa na obra “O Poder
Simbólico” a dinâmica do exercício de poder nas diversas estruturas sociais. Mais
especificamente no capítulo “A força do Direito: Elementos para uma sociologia
do campo jurídico”, o autor busca esmiuçar as características e implicações da
esfera do Direito a fim de localizá-lo como parte constituinte do aparelho
Estatal. Busca-se, por meio desta exposição, relacionar os conceitos
apresentados por Bordieu a um caso concreto: a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 54, que, em 2012, garantiu a interrupção da gestação de
feto anencéfalo no Brasil.
Inicialmente, o autor
procura entender e conceituar o campo jurídico. Como campo, compreende-se um espaço
com dinâmicas e capitais específicos, possuidor de forças e recursos que são
intrínsecos a sua dinâmica de funcionamento. Para Bordieu, o campo do Direito
funciona baseado nos princípios de autonomia, neutralidade e universalidade.
Tais princípios encontram-se na prática jurídica, como na ADPF em questão, na
qual o órgão de máxima expressão do poder judiciário no Brasil deliberou, de
forma independente, a autorização da antecipação do parto de fetos anencéfalos,
sem levar em consideração a influência e as ideologias de parcelas da sociedade
(como instituições religiosas) e proferindo uma decisão que paira sobre todos
os cidadãos de forma indistinta.
Bordieu discorre, ainda,
sobre o monopólio construído por esse campo em torno de si mesmo, retirando o
poder de deliberação dos indivíduos- ao menos de forma direta. Criou-se um
ambiente concorrencial, um “monopólio do direito de decidir o direito”
(Bourdieu, 2001: 169), responsável por compor instâncias hierárquicas entre os
próprios operadores do Direito. Nota-se que, na decisão em questão, o corpo do
Supremo Tribunal Federal era composto majoritariamente por homens, decidindo
algo que influenciaria a parcela feminina da sociedade.
Para o autor, o campo
jurídico é responsável por constituir e manter a ordem social. Por meio das
decisões judiciais, interpretações são outorgadas como verdade. Não se pode
deixar de pontuar, contudo, a influência de outros campos nessas
interpretações. Nessa decisão específica, os ministros utilizaram-se amplamente
do postulado científico que delimita a morte: ausência de atividade cerebral.
Em suma, Bordieu
conceitua, demostra e exemplifica o funcionamento do campo jurídico, tanto
interna quanto externamente. O coloca como constituidor e mantenedor da ordem
social através do uso da violência simbólica, estruturante a si mesmo e possuidor
da capacidade de definir outras relações de poder e constituir a realidade,
assegurando a legitimação da forma estatal. Esses conceitos podem ser
observados de maneira concreta na ADPF nº 54 e em todas as outras decisões
judiciais, desde as mais simples até as tomadas pelo Supremo, demonstrando,
desse modo, o poder da esfera jurídica em ação.
Julia Martins Rodrigues (1º ano diurno)
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