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sábado, 17 de agosto de 2019



O poder simbólico e as decisões judiciais

Pierre Bordieu, notável influenciador do pensamento sociológico do século XX, analisa na obra “O Poder Simbólico” a dinâmica do exercício de poder nas diversas estruturas sociais. Mais especificamente no capítulo “A força do Direito: Elementos para uma sociologia do campo jurídico”, o autor busca esmiuçar as características e implicações da esfera do Direito a fim de localizá-lo como parte constituinte do aparelho Estatal. Busca-se, por meio desta exposição, relacionar os conceitos apresentados por Bordieu a um caso concreto: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, que, em 2012, garantiu a interrupção da gestação de feto anencéfalo no Brasil.

Inicialmente, o autor procura entender e conceituar o campo jurídico. Como campo, compreende-se um espaço com dinâmicas e capitais específicos, possuidor de forças e recursos que são intrínsecos a sua dinâmica de funcionamento. Para Bordieu, o campo do Direito funciona baseado nos princípios de autonomia, neutralidade e universalidade. Tais princípios encontram-se na prática jurídica, como na ADPF em questão, na qual o órgão de máxima expressão do poder judiciário no Brasil deliberou, de forma independente, a autorização da antecipação do parto de fetos anencéfalos, sem levar em consideração a influência e as ideologias de parcelas da sociedade (como instituições religiosas) e proferindo uma decisão que paira sobre todos os cidadãos de forma indistinta.

Bordieu discorre, ainda, sobre o monopólio construído por esse campo em torno de si mesmo, retirando o poder de deliberação dos indivíduos- ao menos de forma direta. Criou-se um ambiente concorrencial, um “monopólio do direito de decidir o direito” (Bourdieu, 2001: 169), responsável por compor instâncias hierárquicas entre os próprios operadores do Direito. Nota-se que, na decisão em questão, o corpo do Supremo Tribunal Federal era composto majoritariamente por homens, decidindo algo que influenciaria a parcela feminina da sociedade.

Para o autor, o campo jurídico é responsável por constituir e manter a ordem social. Por meio das decisões judiciais, interpretações são outorgadas como verdade. Não se pode deixar de pontuar, contudo, a influência de outros campos nessas interpretações. Nessa decisão específica, os ministros utilizaram-se amplamente do postulado científico que delimita a morte: ausência de atividade cerebral.

Em suma, Bordieu conceitua, demostra e exemplifica o funcionamento do campo jurídico, tanto interna quanto externamente. O coloca como constituidor e mantenedor da ordem social através do uso da violência simbólica, estruturante a si mesmo e possuidor da capacidade de definir outras relações de poder e constituir a realidade, assegurando a legitimação da forma estatal. Esses conceitos podem ser observados de maneira concreta na ADPF nº 54 e em todas as outras decisões judiciais, desde as mais simples até as tomadas pelo Supremo, demonstrando, desse modo, o poder da esfera jurídica em ação.  

Julia Martins Rodrigues (1º ano diurno)

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