Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira: poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.
Eu, Maria Bonita, venho contar a verdadeira morte de meu marido, João Gostoso. Confesso que fiquei assustada quando a Gazeta do Rio e o famoso poeta Manuel Bandeira quiseram contar da morte de meu falecido, que não era nem João nem Gostoso. Porque, além de não se chamar João, ninguém gostava dele, nem seu futuro e inexistente patrão, nem a ronda polícial, nem a própria Justiça.
Falo agora porque após sua morte não parei de refletir o que tinha esse homem para ser tão excluído, tão anônimo, tão João. E cheguei à conclusão de que meu marido morreu de pena, cuja punição era perder todo o crescimento de nossos filhos ao ser trancado naquela cela após um pequeno furto. Por isso, quando ele saiu da prisão e se atirou, realmente foi refuncionalizado na nossa sociedade, pois agora ocupa seu lugar de direito, que é lugar nenhum.
Diante dessa realidade, com muita luta consegui finalmente estudar para poder escrever esse texto e perceber que meu marido João nunca passará de um vagabundo, de mais um “bandido bom”, que foi indiretamente linchado por uma sociedade adormecida em suas consciências comuns, as quais privilegiam os nomes próprios enquanto matam de fome os anônimos, os eternos disfuncionais. A quem recorrer? Me falaram que deveria ir à Justiça.
Assim fui até Ela por meio do Direito, que me prometeu restituição, mas no fim apenas trouxe uma punição sem medida. João Gostoso pareceu então muito nocivo para a minha sociedade carioca, por isso foi assim julgado antes e depois do cárcere pelos tribunais e pelos empregos que o recusaram.
Júlia Jacob Alonso - 1° Ano - Matutino
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