Primeiramente,
analisam-se os conceitos de instrumentalismo e formalismo, conceituados por
Pierre Bourdieu, como premissas essenciais para entender o direito e seus desdobramentos.
O primeiro refere-se à ideia de que o direito está a serviço de uma classe dominante,
enquanto o segundo entende o direito como força autônoma diante das pressões
sociais. A partir disso, recorre-se a história: quando os portugueses adentraram
a nação tupiniquim, foi nítida a presença de todo um aparato religioso montado
em busca da evangelização para religião católica. Com o passar do tempo, os
grandes proprietários de terras, como a classe dominante da época e católicos
fervorosos, influenciaram todo o andamento da sociedade brasileira, inclusive o
direito.
A partir daí, percebeu-se diversos embates entre a racionalidade e a
religião, contrapondo o campo da ciência em relação ao campo da moral. Como já
se sabe, o aborto é condenado pelo catolicismo, uma vez que só Deus seria capaz
de tirar a vida de um ser humano. Atualmente, há grandes debates científicos
quanto ao conceito de vida e diversas vezes, a religião é acionada. Em 2012, A
ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamental) buscou abordar o polêmico
tema do aborto de anencefálos. Ainda assim, antes de se discutir sua validade,
deve-se abordar algumas ideias e conceitos cunhados pela sociologia reflexiva
de Pierre Bourdieu.
Em
um contexto marcado pelo poder econômico, político e social, é impossível,
segundo o sociólogo, analisar o direito isoladamente, já que o pensamento
jurídico depende diretamente das conexões com outros campos de interesses. Desse
modo, há um espaço dos possíveis dentro do campo jurídico, delimitado pela
jurisprudência e hermenêutica, que limita a análise interpretativa de questões
exteriores ao direito. O conceito de habitus é entendido como aquelas características
internalizadas pelo indivíduo por meio de uma força simbólica herdada do
capital simbólico, que de forma tão interiorizada não é percebida pelo próprio
indivíduo, favorecendo, normalmente, a classe dominante. Assim, qualquer
mudança no âmbito do direito é “posta em forma” pelos princípios e regras da
prática jurídica por meio da lógica positiva da ciência aliada pela lógica
normativa moral, viabilizando uma emancipação, ainda que regulada.
Nesse
cenário, o aborto do anencefálos encaixa-se: o Código Penal brasileiro proíbe a
realização do aborto nesse caso, no entanto, a ADPF 54 julgou procedente a
realização dessa prática, uma vez que as mulheres não seriam obrigadas a gerar
um filho que certamente não sobreviveria, resultando em complicação para a própria
gestante. Assim, mostra-se que essa mudança, ainda que contrarie a lógica
normativa moral, possa existir, a fim de adaptar-se aos avanços científicos
cada vez mais presentes na realidade. Desse modo, esse tipo de aborto faria
parte do espaço dos possíveis analisado por Bourdieu.
Para o francês, a criação jurídica baseia-se, portanto, sob três aspectos essenciais: suposição de universalidade, procura social e a lógica própria do direito. A primeira pode ser entendida como o fato do aborto de anencefálos possibilitar que todas as mulheres possam praticar o ato, já o segundo refere-se a um estado de procura incessante de indivíduos que buscavam viabilizá-lo e por fim, a própria decisão do STF que, por meio de uma lógica própria jurídica, autorizou a prática. Nesse sentido, critica-se de um lado a dependência da lógica normativa moral por impedir que algumas mudanças positivas aconteçam, ao mesmo tempo que, simbolicamente, não se pode ignorar todo um engendramento de uma moral quase intrínseca, que molda os indivíduos.
Leonardo Borges Ferreira - 1 º Ano Direito Noturno
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