Historicamente, pode-se
afirmar que o conceito de “solidariedade” assumiu relevância jurídica na
terceira fase geracional dos direitos humanos, que já avia sido previamente
fundamentado por Rosseau em seu livro“ O contrato social”. Desde então, o valor solidariedade, que
originariamente pertencia ao campo da moralidade e da ética, passou a frequentar
com destaque crescente os debates jurídicos das sociedades ocidentais, sendo
incorporado notadamente nas constituições a partir da metade do século XX em razão
da “reaproximação entre ética e direito”.
Partindo da intimidade
entre esses dois termos, Platão demonstra a importância da relação coletiva no
desenvolvimento da sociedade e da vida civil, reproduzindo um dialogo entre
Sócrates e Glauco:
Sócrates:
Poderás dizer-me se nas outras repúblicas os magistrados tratam a seus
companheiros como amigos, a outros como estranhos?
Glauco: Nada de
mais freqüente.
Sócrates: Assim,
pensam e dizem que os interesses de uns lhes importam e de outros não?
Glauco:
Certamente.
Sócrates: Entre
nossos guardiões, porém, haverá um sequer capaz de dizer ou pensar que algum
dos que velam, como ele, pelo bem-estar público lhe é indiferente ou estranho?
Glauco: De
nenhum modo. Porque cada qual nos verá outros um irmão ou irmã, pai ou mãe,
filho ou filha, algum propínquo, em suma, em linha ascendente ou descendente.
Sócrates: Muito
bem; porém, há mais coisas a responder-me. Contentar-te-ás em ordenar que só da
boca se tratem como parentes? Ou exigirás também que os atos correspondam às palavras
e que os cidadãos tenham para com os pais
todo o respeito e atenções e submissão pela lei prescrita aos filhos em
relação aos
progenitores? Não lhes dirá que, se faltarem a estes deveres, pecam contra a
justiça e piedade e incorrem, por isso mesmo, na ira dos deuses e dos homens?
Farão, acaso, todos os
cidadãos ressoar
aos ouvidos dos filhos outras máximas diferentes destas com referência à
conduta que devem ter para
com aqueles a quem
se lhes faça considerar como pais ou parentes?
Glauco: Sem
dúvida que não: seria irrisório que tivessem constantemente na boca, os nomes
que exprimem parentesco sem cumprir os respectivos deveres.
Sócrates: Assim,
em nossa república, mais do que em todas as outras, como a pouco dizíamos,
quando ocorrer algo de bom ou de mal a um cidadão, todos dirão a um tempo: meus
negócios vão bem ou meus negócios vão mal.
Aristóteles em
seu livro “Ética a Nicômaco” também aborda a questão, afirmando que para
atingir-se o fim supremo, ou seja, a felicidade, o homem deve buscar a vida
coletiva,” Pois apenas a vida em sociedade oferece o ensejo e a oportunidade
para a construção de seu caráter”.
Nas
sociedades pós-modernas Durkheim retoma a discussão a cerca da solidariedade,
porem com um viés positivista, chamando as relações sociais da pós-modernidade
de Solidariedade orgânica. Tal
solidariedade se da fundamentalmente pela divisão do trabalho, logo a
dependência entre as partes cresce quanto mais dividido estiver o trabalho (nota-se
uma semelhança especificidade das células em um organismo). Desta forma os
indivíduos não estão unidos por conta de suas crenças comuns, mas pela
individualidade de seus ofícios, de seu trabalho. A presença de um elemento estranho não
desagrega, mas fortalece a sociedade.
Com
relação ao direito As formas predominantes na modernidade a principio tem conotação
negativa para a questão da solidariedade, sendo uma solidariedade com as
coisas, não contribuindo para a unidade do corpo social. O Direito pessoal vincula um individuo a
outro e não ao objeto em si, da mesma forma, solidariedade expressa por tais relações
não caracteriza nenhuma relação de cooperação, apenas reparando ou prevenindo
danos e restabelecer limites. Dessa forma podemos dizer que a normatividade nessas
sociedades não consiste em servir, mas sim em não prejudicar.
Em nosso ordenamento jurídico, o valor solidariedade foi
insculpido expressamente no Título I – Dos Princípios Fundamentais – da
Constituição Federal de 1988, mais precisamente no inc. I do seu art. 3º, a
saber:
Art.
3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma
sociedade livre, justa e solidária;
De pronto, percebe-se que o valor
solidariedade ao ser transposto da sociologia para o direito pátrio, passou a
ostentar a qualidade de uma norma, que no caso é constitucional. É irrefutável
a constatação de que o dispositivo acima destacado expressa um comando, uma
ordem voltada para a nação brasileira no sentido de que deveremos pautar nossas
ações, atentando para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A
norma em comento determina uma direção a seguir, como o norte da bússola a
orientar o marinheiro em noite escura. Portanto, indiscutível o caráter
orientador da norma constitucional em apreço. Trata-se de um estado ideal a ser
atingido pela sociedade brasileira, retomando a ideia de fim supremo
aristotélico, que para se concretizar requer uma solidariedade orgânica, que
vise a felicidade do corpo social.
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