Como é possível, mesmo na modernidade, nos desvencilharmos daquilo que faz parte da sociedade humana desde os tempos remotos, ou seja, os elementos que tendemos a chamar de irracionais? Apesar de vivermos o ímpeto da racionalidade, o sagrado e o político continuam impregnando a normatividade jurídica.
Ao contrário das expectativas do próprio capital e dos autores que possibilitaram a criação da civilização capitalista, não é possível se arrancar das sociedades contemporâneas os componentes vinculados à religião e às paixões pessoais. A ideia de que a modernidade promoveria um desencantamento e uma imposição da impessoalidade é permanentemente confrontada por resquícios de um tempo pretérito.
Em diversos aspectos, a vontade de arrancar o sentido de justiça da sua primitiva irracionalidade formalista foi uma realidade (as novas formas de poder, normatização), porém, empiricamente, o Direito ainda carrega muito do passado, muito da prevalência do sentimento concreto de justiça (justiça popular) em detrimento do sentimento universal. A sociedade moderna precisa abrigar não a consciência coletiva, mas sim um direito com características universais, justamente porque são múltiplas as opiniões e as condições. Se em determinada dimensão prevalece o sentimento religioso, em outra o pensamento cientifico, em outra o místico, na modernidade, a perspectiva deve ser de um direito que fuja ao sentimento popular de justiça. A perspectiva da racionalidade do direito é a superação do sentimento concreto.
Entretanto, não há a possibilidade de uma justiça ótima nesse direito moderno, porque ele está preso a provas processuais, utiliza-se de uma verdade relativa. Por isso, muitas vezes, a sentença é leve e causa uma comoção social por não atender à expectativa da consciência coletiva. O juiz não analisa a perspectiva social, o motivo do ato, mas sim o que lhe é apresentado. Assim, o ativismo acaba sendo a única maneira de se englobar as questões sociais, e na maioria das vezes, atua nas margens que o formalismo processual deixa naquilo que o direito ainda não contempla. Quando o operador quebra as regras, ele quer ir onde há invisibilidade, ao que não é dito, mas existe. Aquilo que apenas pela lente do direito ele não consegue ver, ele necessita de outras ciências, outras disciplinas para entender que há camadas muito mais profundas a serem estudadas.
Apesar das preposições, ainda permanece a indagação feita por muitos: até que ponto é viável ao direito excluir totalmente o sagrado em suas discussões?
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