No dia 8 de janeiro de 2023, pouco tempo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência no pleito de 2022, manifestantes de todas as regiões do país foram até Brasília na tentativa de instaurar um golpe de Estado e impedir Lula de assumir o cargo. A fim de chamar a atenção das Forças Armadas para uma possível parceria, os presentes não só invadiram a sede dos Três Poderes, mas também depredaram estruturas do patrimônio público, quebraram móveis e itens pessoais dos ministros do Supremo Tribunal Federal, entraram em confronto físico com parte da polícia local e ocuparam todo o espaço do Legislativo. Apesar da diversidade de pessoas presentes, todas possuíam um comportamento quase homogêneo: utilizavam camisetas verde-amarelas, carregavam bandeiras do Brasil e pregavam slogans popularizados pelo ex-presidente, Jair Bolsonaro.
Esse evento, bem como outros protestos de caráter essencialmente violento, ilustra o chamado “efeito manada”, que consiste em uma conduta na qual as pessoas imitam, de modo irrefletido, os comportamentos de determinado grupo. Diante da periculosidade dessa dinâmica, surge a questão: como se dá esse efeito?
Sigmund Freud, no texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, publicado em 1920, defende que o ser humano é essencialmente uma espécie gregária, isto é, necessita estar em grupo para sobreviver. Tal qual há a necessidade de um coletivo, também se faz presente a necessidade de um líder que exerça a função paterna de proteção e amparo diante das ameaças externas, saciando a sede de submissão existente em cada um dos participantes. Através da identificação pessoal dos indivíduos com essa figura, o agrupamento adquire uma “alma coletiva” inconsciente e passa a praticar, em nome de ideais promovidos pelo “pai”, ações que seriam impensáveis para um organismo solitário.
Émile Durkheim, considerado um dos “pais da Sociologia”, elabora sua análise através do fato social: para o sociólogo, o indivíduo moderno é moldado através de maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores a ele, que são dotadas de um grave poder de coerção. Tal componente, entretanto, é tão reproduzido socialmente que acaba por dar lugar a hábitos pessoais, o que nos faz acreditar que elaboramos, nós mesmos, aquilo que nos é imposto de fora. A coerção do fato social só se faz sentir a partir do momento em que tentamos lutar contra ela: ao ficarmos sozinhos, os sentimentos experienciados nos dão a impressão de algo estranho e, então, nos damos conta “de que sofremos esses sentimentos bem mais do que os produzimos”.
Durkheim argumenta que os atos de atrocidade coletivos partem exatamente da explicação apresentada: em grupo, o indivíduo não sente o peso da solidão, uma vez que “fazer parte do todo” promove nele a sensação reconfortante de pertencimento, podendo ser levado à brutalidade a depender das intenções da comunidade na qual está inserido.
É possível perceber, analisando as discussões a respeito do comportamento humano em situações grupais, que no 8 de janeiro, bem como em outros movimentos populares de caráter violento, a consciência individual é substituída pela consciência coletiva: o eu se submete às vontades do grupo com o qual se identifica e começa a raciocinar visando apenas à garantia de propostas gerais. É fundamental que entendamos que atos como o visto em 2023 não podem ser explicados de forma estritamente política, haja vista as complicações psicossociais implícitas nesse cenário de polarização.
Mas, afinal, é possível evitar que isso aconteça? A resposta não é simples. Como Durkheim e Freud bem salientaram, o ser humano necessita conviver em sociedade, ao mesmo tempo em que é moldado por ela e por seus costumes. Sempre existirão grupos que, determinados a alcançar os seus objetivos, apelarão a meios inconstitucionais.
Entretanto, é nosso dever proteger ao máximo as instituições democráticas, uma vez que, não fossem elas, qualquer protesto seria inviável.
Além disso, é preciso que, acima de tudo, qualquer mensagem que pretendamos passar através de manifestações não dê lugar à violência. Isso porque, conforme escreveu o poeta persa Rumi: “É a chuva que faz as flores crescerem, não os trovões”.
Vitória Alvarenga Pistore - 1º ano - Direito (Matutino)
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