No planeta Terra, mais especificamente em uma cidade qualquer (porque, convenhamos, a cidade é só um detalhe), existiam duas escolas. Uma era o paraíso do conhecimento, onde os alunos não precisavam se preocupar com nada, exceto com as aulas de programação de drones e as consultas frequentes ao psicopedagogo para não se estressarem com o fato de serem extremamente inteligentes. A outra era, digamos, um lugar onde as aulas aconteciam entre filas para a merenda e o som do barulho das goteiras. Essa era a escola onde o material didático era mais escasso do que a paciência de um professor de matemática após a segunda falta de ponto no quadro.
Eis que surge o grande pensador da história: Auguste Comte, o pai do positivismo. Deixemos de lado o fato de que, se Comte estivesse vivo hoje, provavelmente seria especialista em estudos de "como ser cientificamente otimista em uma sociedade onde nada funciona". Ele, com seu óculos de profundidade sociológica, olharia para aquelas duas escolas e diria: "Ah, claro! A desigualdade educacional pode ser explicada perfeitamente com métodos científicos e dados empíricos!"
Pois é, Comte provavelmente ficaria empolgado com a quantidade de dados que uma pesquisa sobre educação poderia gerar. No entanto, ele também seria o primeiro a perceber que essa história toda não era tão simples. Primeiro, ele precisaria coletar dados, claro. "Quantos alunos não têm acesso à internet em casa?" "Quantos livros existem na biblioteca da escola pública?" "Quantos minutos um aluno da escola pública passa esperando para ser atendido na única sala de informática da escola?" Essas perguntas, ao serem respondidas com dados empíricos, formariam um belo relatório. Talvez até uma tese de doutorado, para ser diplomado no grandioso campo da “Ciência da Desigualdade”.
Acontece que, mesmo com todos os números sendo analisados e as hipóteses sendo feitas, os dados não mentem, mas eles também não podem consertar um buraco na parede que está ali desde a construção da escola. E o que Comte faria com essas evidências? Ele talvez sugerisse uma solução, como um grande experimento social: “A solução é investir mais nas escolas públicas e criar mais programas de integração digital”, ele diria, com aquele sorriso de quem acha que resolveu todos os problemas de 500 anos de desigualdade com um aumento de verba aqui e ali.
Mas vamos ser sinceros, Comte não teria as ferramentas para entender que o problema vai além de um simples “ajuste de contas”. O positivismo, com sua ótica determinista e sua confiança cega em dados, teria dificuldades em perceber que a educação é mais do que números e tabelas. Ela está, na verdade, presa a questões de poder, cultura e, digamos, uma leve (ou gigantesca) sabotagem estrutural que faz com que a escola pública esteja para os pobres assim como uma linha de montagem está para um robô: ela não serve para fazer o robô pensar, apenas para repetir funções.
Enquanto o positivista acreditaria que uma simples análise de dados resolveria tudo, nós, pobres mortais, sabemos que não basta dar a mesma quantidade de livros para todos se, no fundo, uns ainda têm uma biblioteca e outros têm uma enciclopédia mofada de 1985. Mesmo que ele olhasse para tudo com seu olhar científico, Comte não conseguiria entender que, enquanto uns têm mesas modernas e telas de última geração, outros só têm um pedaço de cimento rachado para estudar — se é que conseguem estudar em meio ao barulho da rua ou às preocupações em casa.
No final, a grande questão da educação, como Comte entenderia, é que a matemática das desigualdades educacionais não é algo que pode ser solucionado com gráficos e números. A verdadeira equação de mudança social envolve mais do que ciência — ela envolve política, cultura, história e, claro, um pouco de bom senso. Mas, ah, quem sabe ele não teria uma ideia brilhante para resolver isso se ele fosse, hoje, um consultor para o Ministério da Educação? Talvez sugerisse uma lei que afirmasse que todo aluno da escola pública, para alcançar a igualdade, precisa se tornar especialista em "Como não surtar ao lidar com os absurdos do sistema educacional".
Mas, sinceramente, se Comte estivesse por aqui, a coisa mais sábia que ele poderia fazer seria tentar entender o que seria justiça educacional em um lugar onde tudo, menos a educação, parece ter uma fórmula pronta para dar certo, talvez, em vez de buscar uma explicação científica.
Laura Gomes Valente - 1º ano de Direito matutino
Nenhum comentário:
Postar um comentário