O sociólogo alemão Max Weber desdobrou seus estudos em diversas áreas do estudo sociológico, das quais geraram enormes importâncias sociais e científicas, tais como a definição de Estado moderno, formas de poder, sociologia como ciência da realidade, a própria realidade atrelada a ação social e, ainda, a contribuição que será elencada no respectivo texto: “Legitimidade como forma de dominação". Sob essa ótica, é de suma importância a contextualização da ideologia descrita, na qual o autor compreende a legitimação como sendo uma dominação socialmente aceitável pelos indivíduos, sendo portanto, uma dominação legítima, da qual se divide em Dominação Legal-racional, baseada em regras legais e burocráticas; A dominação tradicional, baseada em costumes e tradições; E a dominação Carismática, baseada no carisma e liderança pessoal de um indivíduo ou de um grupo. A partir dessas três concepções de dominação atreladas a legitimidade, observa-se que a legitimidade, portanto, é aquilo que faz com que a obediência seja voluntária, não imposta unicamente pela força, mas internalizada em meio a sociedade como sendo uma conduta justa ou trivial.
Nesse sentido, observados os respectivos conceitos de legitimação sob o qual Weber determina, é possível relacionar tal perspectiva ao cenário do racismo como um sistema legitimado, sob o qual é trazido magistralmente no livro “Racismo Estrutural”, mas especificamente no capítulo “Raça e Racismo” do autor Sílvio Almeida, partindo do pressuposto de que o autor descreve o racismo não como uma conduta desviada dos indivíduos, mas como parte estrutural da sociedade, legitimado por instituições, práticas cotidianas e valores ideológicos que naturalizam a desigualdade racial, sob os quais o autor divide em racismo individualista, isto é, racismo centrado no comportamento e nas intenções individuais; Racismo institucional, isto é, baseado no funcionamento das instituições que produzem a reproduzem desigualdades; E, ainda, o mais importante e problemático de todos, o Racismo Estrutural, sob o qual está intrínseco na própria lógica da sociedade e de seus sistemas políticos, jurídicos e econômicos.
Dessa forma, nota-se que ambos autores reconhecem o papel das instituições. Para Weber, a dominação legal-racional se dá por meio das burocracias e regras impessoais. Para Almeida, o racismo institucional se reproduz dentro dessas mesmas estruturas burocráticas, como o sistema de justiça, a polícia, a escola e o mercado de trabalho. Esses sistemas reproduzem desigualdades raciais sob uma aparência de neutralidade, o que reforça a legitimidade da ordem racial. Sendo assim, chega-se em um panorama social através do qual o racismo se torna cada vez mais banalizado, enquanto em contrapartida, as instituições, práticas e coercitividades presentes na estruturação social perpetuam e fortalecem essa legitimação da conduta racista, reverberando assim um cenário de ampla dominação social, que se restringe de maneira muito mais veemente aos indivíduos negros.
Nessa linha de racíocino, cabe ressaltar que a dominação estrutural é tão forte que implementa até mesmo a uma série de pessoas negras a noção de que o racismo é prática trivial e fútil, e que portanto esses indivíduos devem se submeter a tais práticas e aceitá-las, de forma que se instaura uma legitimação que perpassa a estrutura social dominante, e se insere até mesmo na estrutura social dos dominados. A título de exemplo desse fenômeno, salienta-se o caso do famoso ex jogador de futebol “Gilmar Fubá”, já falecido, durante uma entrevista a um programa esportivo no Canal de televisão “ESPN”, no qual o jogador, que é negro, enfatizou o racismo no futebol hodierno como sendo uma espécie de “frescura” dos novos jogadores, tendo em vista que eles ganham muito dinheiro, e por isso não deveriam se preocupar com o racismo. O ex jogador ainda se divertiu ao contar no programa sobre um caso em que ele foi à delegacia para prestar queixa de racismo que havia sofrido, e, ao chegar lá o delegado se referiu a ele com o mesmo vocabulário racista sob o qual ele estava indo ajuizar a denúncia, o que na realidade deveria ser tratado com imensa seriedade, já que a própria autoridade legal agiu da mesma forma que o acusado, ou seja, cometeu crime de racismo. Isto posto, o ex-jogador ainda enfatiza sempre ter sofrido racismo e que isso não interferiu em nada em sua vida, dando a entender que a melhor estratégia para lidar com o racismo é transforma-ló em uma brincadeira, o que na realidade acaba por legitimar ainda mais essa conduta aos próprios telespectadores que estavam assistindo, visto que o mero fato de um indivíduo negro e famoso se referir com desprezo ao racismo fortalece e legitima ainda mais a dominação dessa prática pelos dominantes (brancos) sobre os demais indivíduos que sofrem tanto com essa prática.
Ademais, observa-se ainda que o vídeo da entrevista do respectiva ex-jogador ainda se encontra amplamente disponível na plataforma digital “YouTube”, o que além de causar tamanha indignação pelo fato de ainda estar publicizado, ainda contém abertamente os comentários das pessoas no vídeo, dos quais nota-se a presença majoritária de pessoas brancas argumentando que o ex jogador se tratava de uma pessoa extremamente humilde, que sabia lidar muito bem com esse tipo de situação, que estava correto em sua atual postura, chegando a dizer até mesmo que ele servia se exemplo a todos os demais indivíduos que se utilizavam do racismo como “vitimização”.
À título de curiosidade, observa-se que outro exemplo concreto da legitimação sob o qual o racismo estrutural impõe sobre a sociedade pode ser observado nos campeonatos esportivos, principalmente de futebol e basquete, mas especificamente oriundos nas categorias de base que perpetuam posteriormente no profissional, nos quais os atletas “brancos” são inscritos nos campeonatos e atuam com seus próprios nomes a que lhe foram registrados por seus ascendentes, enquanto os atletas “negros” são inscritos e denominados por apelidos dos quais os próprios colegas e dirigentes do elenco lhes atribuírem, dos quais elencam-se inscrições reais de jogadores com nomes como “café”, “grafite” e “negueba”, apelidos estes de extrema conotação racista, sob os quais esses jovens negros se veem obrigados a aceitar, já que a mera resistência ou tentativa desta pode custar o sonho deles. Assim, tais práticas nos demonstram ainda mais, nesse caso através da visão esportiva, nao só a desigualdade de tratamento racial a que se atribui nesse caso, mas também a dominação e legitimação dessa prática, características essas que se tornam compreensíveis quando se observa o conceito de racismo estrutural e seus desdobramentos.
Sob esse viés, é possível concluir que a presença da legitimação do racismo no contexto hodierno é estrondoso, ao passo que ao nos atentarmos ao racismo estrutural, individual e institucional descrito por Silvio Almeida, compreendemos de maneira ainda mais concreta a dominação histórica, cultural, cotidiana e social em que o racismo se encontra. A coisa fica ainda mais repugnante quando se observa a banalização dessa conduta pelas próprias pessoas negras, evidenciando de maneira ainda mais presente a real problemática da dominação e do racismo estrutural adjuntos, em consonância com a legitimação dessas condutas, sob as quais corroboram para que a dominação da classe branca no quesito “raça” não só se estabeleça cada vez mais no cenário atual, mas que sirva como fonte estrutural para que as pessoas negras ainda sejam tratadas de forma estigmatizada e inferioriorizadas. Ainda mais por se tratar de uma dominação legítima, o que por si só dificulta cada vez mais as chances de superação desse quadro deletério.
Sendo assim, conclui-se, portanto, que Silvio Almeida e Max Weber convergem na ideia de que o poder não se sustenta apenas pela força, mas por mecanismos sociais de justificação e naturalização da dominação. O racismo, segundo Almeida, é uma forma de dominação legitimada socialmente, que se perpetua porque está embutida na estrutura da sociedade e reforçada pelas instituições, exatamente como Weber descreve os fundamentos de uma dominação estável e duradoura. E, ainda, nota-se que o caso do exemplo evidenciado ilustra de forma trágica como a estrutura racista não depende de agressões explícitas, mas se manifesta também em atos simbólicos e cotidianos, tais como não só a insensibilidade de um delegado ao repetir uma injúria racial em tom neutro ao ex-jogador, mas também pelo mero fato de o próprio jogador negro afirmar que o racismo atual não pode ser reclamado pelos jogadores tendo em vista que eles ganham muito dinheiro, de modo a subentender que portanto os jogadores negros devem aceitar essa dominação, e, ainda, o fato de Gilmar demonstrar que o racismo deve ser levado com tom humorístico e divertido faz com que a legitimação racista somente perpetue cada vez mais. Tal cenário ainda se mostra completamente alinhado à perspectiva de Silvio Almeida do racismo estrutural e institucional, principalmente, quando se observa que a legitimação ultrapassa a barreira da classe dominante (pessoas brancas), e passa a perdurar de maneira válida na aceitação dessa legitimidade na classe dominada (pessoas negras), de modo que a solução para esse problema esteja pautada na análise minuciosa da estrutura dessa sociedade racista como um todo.
Rafael Martins Araujo - 1° ano - Direito - Matutino
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