No Brasil, o racismo não se manifesta apenas em atitudes individuais ou ofensas explícitas. Ele é, sobretudo, uma engrenagem social silenciosa, operando de forma institucionalizada e muitas vezes legitimada pelas próprias estruturas de poder. Essa forma de racismo, conhecida como racismo estrutural, é o principal foco da análise de Silvio Almeida no capítulo “Raça e Racismo” de sua obra Racismo Estrutural. Ao associar essa reflexão ao conceito de autoridade formulado por Max Weber, percebe-se que o racismo no Brasil é sustentado não só pela violência simbólica e econômica, mas também por uma forma de dominação legítima que naturaliza privilégios raciais e torna invisível a exclusão. Assim, é necessário compreender como a autoridade social e política, em suas diversas formas, contribui para a reprodução da desigualdade racial no país.
Max Weber define autoridade como a probabilidade de que uma ordem seja obedecida, não apenas pela força, mas pela crença na legitimidade dessa ordem. Ele distingue três formas puras de autoridade: a tradicional, baseada nos costumes herdados; a carismática, fundada na devoção a líderes pessoais; e a legal-racional, que se apoia em regras e instituições impessoais. Todas, porém, compartilham uma característica essencial: são aceitas socialmente. É justamente essa aceitação que transforma estruturas de poder em dominação legítima.
No caso do Brasil, a manutenção da desigualdade racial encontra respaldo em instituições legais, normas sociais e práticas culturais que são vistas como naturais ou inevitáveis. As relações raciais se encaixam, portanto, em formas de autoridade que parecem neutras, mas reproduzem e reforçam a desigualdade histórica.
Silvio Almeida afirma que o racismo no Brasil é estrutural porque está incorporado às bases do Estado, do mercado, da educação, da segurança pública e da cultura. Ele critica a visão que trata o racismo como um fenômeno apenas moral ou individual, defendendo que ele opera como um sistema de organização social que determina quem pode ocupar espaços de poder, quem tem direito à mobilidade social e quem será sistematicamente excluído.
Nesse sentido, o racismo funciona como uma forma de autoridade tradicional e legal-racional. A tradição racista herdada da escravidão legitima práticas excludentes, enquanto o aparato legal — muitas vezes aparentemente neutro — funciona de modo seletivo, aplicando punições e oferecendo oportunidades com base em marcadores raciais. O sistema educacional, o mercado de trabalho e o sistema de justiça são exemplos de esferas em que a autoridade institucional é utilizada para reproduzir desigualdades raciais sob a aparência de normalidade ou legalidade.
A autoridade no Brasil é profundamente racializada. Lideranças políticas, cargos de alto escalão no funcionalismo público, tribunais e universidades continuam a ser ocupados majoritariamente por pessoas brancas. A obediência a essa configuração é internalizada como natural ou como fruto do mérito — um argumento que oculta os filtros raciais presentes na seleção e ascensão profissional. Isso revela um dos aspectos mais perversos do racismo estrutural: ele se apresenta como racional, justo e legítimo, mesmo quando exclui sistematicamente a população negra.
Além disso, a criminalização da população negra, especialmente nas periferias, é outro exemplo dessa autoridade racializada: as forças policiais operam com respaldo legal, mas suas ações demonstram uma seletividade racial que confere às vidas negras um valor social inferior. O uso da força, portanto, é autorizado e legitimado socialmente quando dirigido a determinados corpos — o que reforça a ideia de que o racismo não é apenas estrutural, mas autorizado por uma crença coletiva profundamente enraizada.
Ao relacionar o conceito de autoridade de Max Weber com a análise do racismo estrutural feita por Silvio Almeida, compreendemos que o racismo no Brasil não é apenas um resquício do passado escravocrata, mas uma lógica ainda presente e legitimada socialmente. A estrutura de dominação racial funciona como um tipo de autoridade que se perpetua por meio da tradição, da burocracia e de um discurso racional que esconde privilégios e desigualdades. Questionar essa autoridade é, portanto, um passo fundamental para desnaturalizar o racismo e construir um país verdadeiramente democrático, onde a legitimidade do poder esteja comprometida com a justiça e a igualdade racial.
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