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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Racismo histórico: uma análise sob a perspectiva do poder weberiano

Na obra “Racismo estrutural”, o autor Silvio Almeida afirma: “Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão”. Apesar de Almeida ser um intelectual contemporâneo, suas ideias podem se relacionar com a teoria de Max Weber, sociólogo do século XIX, que em sua teoria procurou explicar o conceito de poder. Ainda que as ideias de ambos autores tenham sido produzidas em contextos históricos distintos, a análise do racismo histórico sob a perspectiva de Weber pode ser muito rica, pois ele confere significados a ferramentas sociais e políticas que são ainda hoje aplicáveis à sociedade, de modo a esclarecer aspectos do seu funcionamento e das problemáticas que permeiam a convivência no corpo social. 

Em sua teoria, Max Weber constitui o poder como a imposição de uma vontade (dominante) sobre outra, mesmo que haja resistências. Ou seja, para ele, o poder é construído através da disputa, a qual é permeada pela raça durante toda a história e nos mais diversos contextos.

Tomando por exemplo a colonização, observa-se que a dominação ocidental sobre populações nativas foi construída a partir do poder, ou seja, através da imposição de uma cultura determinada (branca, europeia, elitizada) para benefício econômico do colonizador. Conforme Almeida explica em seu livro, nessa relação, o racismo também estava presente, visto que forneceu a base necessária para o exercício do poder do colonizador, através de distinções filosófica-antropológicas formuladas pela cultura dominante, como a oposição entre civilizado e selvagem. Em síntese, o racismo foi utilizado como justificativa para a exploração dos nativos nas colônias. 

Explorando de maneira mais profunda as ideias de Weber, verifica-se que, para o sociólogo, o poder trata-se da dominação legítima, mas não absoluta sobre o outro, de modo a influenciar sua ação social. O racismo reside justamente nessa influência, pois infiltra-se de tal modo na sociedade que consegue moldar a ação e o pensamento coletivos durante séculos, formando assim, suas ramificações. A estrutura da sociedade torna-se, portanto, “viabilizadora” do racismo, e não “restritora”, ao permitir que atos racistas se repitam e criem um padrão.

Para Silvio Almeida, o poder e a dominação não só influenciaram o coletivo, mas mais que isso, tornaram-se “fundamentos irremovíveis da sociedade contemporânea”, através do “ciclo de morte e destruição do colonialismo e da escravidão”. Estratégias racistas, como a desumanização, corroboraram para a legitimação do poder exercido. 

No entanto, em meio à análise do racismo histórico, é importante destacar os perigos de se encarar a problemática estudada como algo superado, pois o mesmo poder discriminatório de séculos atrás permanece, ainda que modificado e adaptado, nos tempos atuais. O racismo é renovado por meio de outras formas de opressão, como o chamado racismo cultural que, segundo Frantz Fanon, é o processo discriminatório construído com base em registros étnico-culturais (nacionalidade, idioma, costumes). Tal processo inevitavelmente se liga à ideia de poder, pois o racismo cultural é construído a partir da determinação de quais são as etnias e culturas consideradas superiores pelo poder dominante.

Porém, para Weber, o exercício do poder nunca é absoluto, é sempre uma probabilidade.  O estabelecimento dessa probabilidade significa que, na realidade concreta, o poder não se enquadra em um tipo ideal, ou seja, em uma definição estritamente racional, pois é também permeado por elementos sociais, como o racismo. 

Quando Silvio Almeida reforça que “a raça é um elemento essencialmente político” infere que o poder político é também permeado pela raça e sustentado por todos os elementos históricos que a raça traz. A estratificação social, o superencarceramento da população negra, a criação de estereótipos raciais, todos estes elementos constituem formas de discriminação indireta sustentadas pelo poder, seja ele político, social ou institucional.

Devido a essa construção sistemática é que Silvio se coloca contra a concepção individualista do racismo, pois tal visão ignora a reprodutibilidade (consciente ou não) do racismo na sociedade como um todo. Para ele, a análise do racismo não deve limitar-se a meros comportamentos individuais, mas sim, ampliar-se de modo a abranger condutas coletivas, muitas vezes até mesmo legitimadas pela legalidade, através do “apoio moral de líderes políticos, líderes religiosos e dos considerados “homens de bem””.

Sendo assim, é o poder que possibilita a manutenção do racismo como sistema complexo e repleto de vertentes em todos os âmbitos da sociedade, incluindo as instituições (públicas ou privadas). Ele se constitui de tal modo a habitar o cerne da estrutura social e, por isso, está também presente nos espaços de poder e decisão. Parafraseando a explicação de Silvio em seu livro, ainda que uma pessoa negra atinja tais espaços, isso não significa que a instituição em si deixará de atuar de forma racista, pois a ação dos indivíduos continuará sendo orientada por princípios advindos do poder dominante, os quais já foram colonizados há muito tempo e, por isso, tornaram-se “tradição”.

Portanto, conclui-se que o sistema de discriminação racial é sustentado pelas desigualdades políticas, econômicas e jurídicas e, para que seja descontruído e reconstituído, é necessário um trabalho contínuo, através de práticas antirracistas e da alteração de posturas sociais. Ainda que o interior da sociedade seja marcado por antagonismos, os conflitos são moldados pela ação social, e esta é influenciada e alterada pela cultura e pelos valores que a constituem. De acordo com Weber, a cultura é definida pela multiplicidade de valores e, por isso, pode ser alterada historicamente. Desse modo, se os valores de uma sociedade podem mudar, o coletivo não deve se resignar com o contexto atual, mas sim engajar-se na sua mudança por meio da ação social. Como afirma Silvio Almeida, “não tomar a raça como elemento de análise” na contemporaneidade significa prejudicar a resolução das “grandes mazelas do mundo”.


Maria Vitória Silva - 1º Ano de Direito (Noturno)

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