O neoliberalismo surge como modelo econômico na década de 1980 e, junto a ele, ascendem inúmeros problemas. Tal sistema joga o homem numa situação de individualidade, em que ele se torna responsável pelas misérias de sua vida, enquanto ela deveria ser responsabilidade do Estado. Nesse ínterim, o indivíduo desamparado - mas consciente de seus direitos como cidadão - muitas vezes não encontra outra alternativa a não ser buscar de forma individual tais direitos, como por exemplo, através do furto de alimento em prol da garantia do direito à vida. Toda essa luta vivenciada cotidianamente pelos indivíduos vulneráveis e desprotegidos das políticas sociais estatais, faz com que frequentemente eles acabem sendo acusados nos tribunais.
O texto “O Juiz e a Democracia: O Guardião de Promessas” (2002), do magistrado francês Antoine Garapon, ilustra sucintamente a situação supracitada que, à luz de sua interpretação, levou a um protagonismo dos tribunais na sociedade contemporânea. Segundo o jurista, o direito positivado, no contexto de seu surgimento, emerge consigo garantias sociais constitucionais aos cidadãos. Todavia, em meio a saída gradativa do estado de bem estar social e a consequente vulnerabilidade do indivíduo, surge a magistratura do sujeito, isso é, o sistema judiciário indo em socorro dos indivíduos a partir do momento em que eles se veem desamparados pelos Estado e desprotegidos das políticas sociais.
Após essa análise acerca da judicialização contemporânea, é passível de análise o Julgado sobre o caso da moradora de rua que furtou 21,69 reais em alimentos de um mercado local. A paulistana desempregada encontra-se em situação de rua há 10 anos e foi presa em flagrante furtando dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó. Após ser convertida, a priori, a prisão preventiva, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Joel Ilan Paciornik, trancou o inquérito e determinou a soltura da mulher. Segundo o mesmo, “[...] os bens foram avaliados em R$ 21,69, menos de 2% do salário mínimo, subtraídos, segundo a paciente, para saciar a fome, por estar desempregada e morando nas ruas há mais de dez anos". Desse modo, tal decisão do ministro é um grande exemplo do papel político-social que o judiciário aborda nos dias atuais, atuando sob o viés da magistratura do sujeito, supracitada nas ideias de Garapon.
Nesse ínterim, quando as vias tradicionais - tais como parlamento, família, religião e moral - não são capazes de amparar o indivíduo, a magistratura do Direito deve agir em prol de auxiliar esse sujeito, garantindo-lhe os direitos básicos. Assim, os tribunais exercem a função de aprofundar a democracia, visando reparar danos de um Estado que, na prática, não garante as políticas públicas sociais a todos os cidadãos, como estipulado em tese. O Julgado de Joel Ilan Paciornik reflete a luta por um direito mais justo, no qual juiz deve colocar-se no lugar de autoridade faltosa, objetivando autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de cada cidadão, como bem pontuou Antoine Garapon.
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