Com
o avançar do tempo, a lógica colonialista que dominou o mundo durante aproximadamente
meio milênio ainda deixa profundas marcas, perdurando, mesmo que não facilmente
identificada, nas mais diversas áreas, sendo uma delas o direito moderno eurocêntrico.
Neste, conforme Sara Araújo, em sua obra: “o primado do direito e as exclusões
abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone.”, é prevista uma ótica
de progresso linear, a qual gera exclusões abissais no âmbito jurídico, ao
passo que diversos universos jurídicos são negligenciados por não ter sua relevância
reconhecida na lógica eurocêntrica dominante.
A
autora também ressalta a existência do que ela denomina: “linha abissal” ou “linha
jurídica abissal”, que delimitaria o horizonte das possibilidades dentro daquelas
a qual dividiria o norte do sul, não geograficamente, mas no campo das ideias,
sendo o primeiro representante dos pensamentos hegemônicos na sociedade,
relacionados a colonialidade jurídica, a qual atrela-se à colonialidade do
saber, em que se deixa de lado questões de toda uma diversidade jurídica
mundial; enquanto o segundo são os pensamentos periféricos na lógica do direito
moderno eurocêntrico.
De
tal forma, em uma análise do Mandado que permitia a apreensão de obras
consideradas inadequadas na Bienal, executado sob ordens do então Prefeito do
Município do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, o qual, na bienal do livro de
2019, deparando-se com um romance gráfico em que dois heróis da Marvel, Wiccano
e Hulkling, se beijam, ordenou que fiscais se dirigissem ao local em busca do
que denominou materiais "impróprios" para crianças. Pode-se
compreender que tal ação reflete uma epistemologia do norte, visto que faz
perdurar valores do conservadorismo homofóbico, entendendo a comunidade LGBTQIA+
como um desvio dos ideais heteronormativos, sustentados principalmente por
religiões europeias dominantes, enquanto as inúmeras outras HQs que retratam o
mesmo conteúdo, porém entre casais heterossexuais, são consideradas normais e
apropriadas para crianças.
Em
contraposição, a resposta do Presidente do STF derrubou a decisão que comandava
a apreensão dos livros, exercendo uma epistemologia do sul, uma vez que quebra
os paradigmas impostos pela logica colonialista eurocêntrica, ultrapassando a
linha abissal, assim tornando o direito mais plural e abrangente em seu campo das
ideias, conforme a decisão tomada pelo Desembargador Heleno Ribeiro Pereira
Nunes (5a Câmara Cível) para:
(i)
a abstenção de apreensão das obras “em função do seu conteúdo, notadamente
aquelas que tratam do homotransexualismo” e (ii) a abstenção da cassação da
licença para a bienal, embasando-se na preservação da liberdade de expressão; a
Presidência do TJRJ suspendeu a referida liminar, embasando-se, essencialmente,
nos artigos 783 e 794 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei 8.069/90).
Isabela
Batista Pinto- Turma XXXVIII- Direito Matutino
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