A concepção de Sara
Araújo sobre o direito moderno é atribuída aos discursos que impõem uma
continuidade da prática colonial, uma linguagem jurídica com modelo
capitalista, a qual traz uma modernidade associada à neutralidade de um mundo homogeneizado.
Destarte, a estrutura do
direito ocidental que alega a superioridade de suas instituições, marginaliza
as sociedades e culturas que não se adequam ou se encaixam ao padrão imposto
pelo legado dos paradigmas coloniais, desta forma, “o pensamento moderno impõe
e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre o
universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha¹”. (p.
95-96)
Assim, entendemos que
existe dois lados que o dividem, aquele estabelecido pelos “donos do poder” que
almejam a perpetuidade das epistemologias do Sul, centrado em princípios únicos
de verdade, e por outro lado, um público que clama pela desconstrução do cânone
hegemônico, que buscam implementar o pluralismo jurídico.
Nesta perspectiva, para superar o modelo eurocêntrico
que coloca o capitalismo acima das demandas dos grupos vulneráveis, que está
engessado no centralismo jurídico e no patriarcado, a autora acredita que o
pluralismo jurídico seria o instrumento imprescindível para democratização da
justiça, ferramenta capaz de descolonizar e excluir as hierarquias impostas por
este sistema moderno, abrindo caminho para o reconhecimento da diversidade e
transformações dos direitos na sociedade.
Posto isto, podemos
identificar através das lutas de inúmeros movimentos sociais o grande papel do
pluralismo jurídico, assim, a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental – ADPF nº 54, nos denota o enfrentamento de uma justiça patriarcal
pelo direito da mulher que queira optar pela interrupção da gestação nos casos
de fetos anencéfalos.
O Supremo Tribunal
Federal reconheceu que o direito da mulher em escolher não seguir a diante com
a gravidez de um feto sem cérebro (ausência de crânio e encéfalo) não caracteriza
crime de aborto conforme legislação penal brasileira, desse modo, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde propôs a ação para que o órgão
judiciário declarasse “a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.²”
Em síntese, o julgado
supracitado é claramente um exemplo de mudança que as mulheres almejam, sair de
um direito opressor em que o homem é o detentor de sua voz, onde a religião
dita o certo e o errado, e a classe social atua como garantidora de “escolha”
de uma minoria. A dogmática que afasta o argumento da saúde pública, do direito
de decisão que cabe apenas a titular de seu corpo, ainda é realidade que
precisa ser levantada pelo ordenamento jurídico. Essa desconstrução surge a
partir de debates que mostram os interesses dos cidadãos, presente em um Estado
altamente heterogéneo, que necessita lutar contra o colonialismo.
Joyce
Mariano Santos - Noturno
¹ ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais:
reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, v.
18, p. 88-115, 2016.
² Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental. Anencefalia. Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 54 ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Saúde Voto do Min. Ricardo Lewandowski. Plenário.
Relator: Min. Marco Aurélio Mello. Brasília-DF, j. 11/04/2012j. Informativo do
STF.
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