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segunda-feira, 6 de setembro de 2021

"O Brasil não muda"

Tenho 20 anos.

 Faz 20 anos que ouço que o Brasil não muda, porque nós (enquanto nação) somos assim: desse "Jeitinho". Diante disso, a primeira questão que me aparece, dentro de tantas, é o que significa mudar? Óbvio que pela tonalidade da conversa, já com aquele desânimo e uma boa dose pessimismo, sei que se trata de mudar para melhor, a sensação é que o Brasil não melhora. Porém, esse melhorar também pode ser um alvo de dúvida, melhorar em relação ao quê? Parecer mais com que lugar? Obrigando a me questionar - e questionar a todos envolvidos com a trama brasileira -  parecer-se menos, por outra via, com quem?

Pensando nisso, busquei como base para edificação dessa reflexão dois autores: Weber e Jessé de Souza, o primeiro um sociólogo alemão do século XIX, e o segundo um brasileiro, feito eu e você, sociólogo contemporâneo Jessé de Souza que busca, mesmo hoje, entender as relações ilógicas que se estabelecem nesse país. Porque nessa conversa, junto com quem me lê tento construir a partir desses pensadores uma forma de compreender esse Brasil e sua sociedade, que parecem ter fáceis traduções, responder essas incógnitas iniciais que me serviram de premissa. Contudo fazer isso lembra a montar um quebra-cabeça de 1001 peças.

Quando trouxe a fraseologia: "O Brasil não muda", ou até indo para além dela, imaginando outras derivadas como: "Aqui é Brasil", "Funcionaria, mas estamos no Brasil", me lembrei das inúmeras circunstâncias, nas quais estive inserida e tais afirmações foram feitas. Na escola, no bar, no domingo de almoço com os tios distantes, inclusive no âmbito universitário. Parece que é unanime esse conceito de que o Brasil é um caso a parte do resto do mundo, um lugar de cultura e relações sociais tão genuínas que impedem um progredir. 

Nesse momento que posso me valer dos autores, começando por Weber, para o sociólogo a ação social, isto é a forma de "conduzir a vida" dos indivíduos é orientada em relação aos outros. De forma que que determinadas ações dos homens apenas ganham sentido, notabilidade se estiverem dentro do contexto de referenciais culturais. Portanto sob esse conceito, alegar que o Brasil enquanto nação e Estado não funcionam toma legitimidade, porque está consoante com uma lógica cultural vigente.

Assim, prosseguindo para Jessé, o ponto de sua obra A Ralé Brasileira, colide com o que aqui desenvolvo no momento em que o próprio sociólogo questiona clássicos pensadores como: DaMatta, Sérgio Buarque de Holanda, os quais dentro desse pensamento de que há um singular tipo brasileiro, ratificam, por entranhas intelectuais, essa premissa de que nós brasileiros somos alheios ao resto do planeta, de que aqui se nasce um homem tipificado, e incompatível com o resto do planeta.

O Jessé é uma âncora, na qual posso me escorar para tentar responder minhas iniciais perguntas de para onde o Brasil não anda, e porque nós não somos meramente "o jeitinho brasileiro". Uma vez que em seu livro mencionado, o autor traz um ponto crucial que quebra com o estigma do Brasil e sua sociedade ser única, sendo essa resposta alternativa para tentar revelar o que se acontece, a relação Estado e mercado. Para ele, assim como para o texto aqui montado, o país não sofre de um "mal de origem", não se trata somente dessa semente colonial trazida há seis séculos, trata-se de uma lógica capitalista, que se acentua em países que habitam a periferia (metaforicamente falando) desse sistema. 

O Brasil não muda, isto é não progride, porque aqui como em outros lugares do globo o mercado segue predatório ao Estado, exigindo cada vez mais que ele se anule. O Brasil não melhora, porque assim como em nações que servem, supostamente, como exemplo de avanço: Estados Unidos, a elite brasileira não quer que o país desenvolva-se de maneira progressista. Muito menos complicado culpar um problema umbilical, do que se por de frente ao fato, para o discurso da elite, da high-society é mais prazeroso dizer em uma festa, que o país nunca será "funcional", por isso o lugar ideal é a Europa. 

Faz parte da oratória dos 3 por cento da sociedade, dos empresários industriais (que usam e abusam de relações patrimonialistas e corruptas do Estado brasileiro), dos latifundiários, da gente que é "Doutor" na Faria Lima e gasta um salário mínimo numa janta, proferir que o Brasil não avança, porque faz parte do nosso traço cultural. Porque ao passo que eles usam desse artifício, a grande massa o reverbera num movimento de alienação, haja visto que se o povo não se enxergar como vítima desse jogo sujo, no qual o capitalismo e suas relações de mercado o ludibriam, melhor para quem está no poder. 

Dessa maneira, o subalterno fica ligado ao um desenho cultural, ao estigma de malandro, boêmio, trabalhador, contudo que usa somente da força bruta para isso. Sendo o rico, um ser humano com direito ao estudo, a vida boa, a riqueza. Porque o mercado quem legitima isso, o mercado por meio dos contínuos movimentos de tentar tirar do Estado os direitos dos cidadãos, usa como resposta a meritocracia. Assim, para qualquer dúvida: o Brasil não funciona, porque ele é desse jeito, o pobre é preguiçoso e não se esforça, os ricos por outro lado, estudam e se dão bem, ou seja: se querem melhorar (enquanto nação) esforcem-se. Essa é a mensagem do sistema capitalista.

Não obstante esforçar-se parece um pedido irônico num país, no qual a massa, os pobres, são desumanizados. Perdem sua dignidade humana pelo mínimo, morrem com seus salários de fome, enquanto a elite, segue sentada com a bunda em cima privilégios pedindo que eles se tentem mais. 

Tentar entender o Brasil, não se trata de criar um tipo, de culpar somente o passado. Entender esse país é Paulo Freire, educar o povo para que se libertem das algemas dos dominantes, é romper com esses dogmas de que APENAS o nosso passados nos impede de progredir. Porque, progredir para os ricos é ter um PIB alto, é o dólar equiparado com o real, é viajar para Disney. Mas, para quem resiste, é pretos nas universidades públicas, comer as três refeições diárias, e portanto: entender essa sociedade incompreensível é culpar esses podres donos do poder. 


Isabella Uehara - 1a semestre noturno  




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