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domingo, 19 de abril de 2020

Machado e o Bolsonarismo


As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra. Esse profissional, além de ser o maior médico do Brasil, de Portugal e das Espanhas, quando questionado por el-rei sobre o motivo de sua abdicação dos confortos junto à corte para se aventurar na não-mais-colônia, era taxativo:
- A ciência, Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é meu universo.
O que pensaria Simão, caso ambientado em nosso século, ao ver tantos asseclas de sua prepotência- e não de sua devoção à ciência- distribuírem em atos panfletários, informações incorretas e potencialmente perigosas sobre a COVID-19, pandemia que assola o mundo? Esses novos Doutores, graduados em ciências do acaso, se multiplicam pelas redes sociais e convencem muitos que, devido à sua falta de conhecimento, se deixam levar por dados erráticos. O Dr. Bacamarte, introduzido repentinamente aos tempos da República, se surpreenderia caso todo esse alvoroço fosse feito juntamente à defesa indômita de um governante que não poupa esforços em desqualificar os que confiam na ciência.
Em tempos de lockdown, em que é repetidamente aconselhado que se permaneça em casa, a ciência tem sido o ombro amigo das instituições sérias e de uma parte da população. Notícias sobre o quadro da doença no mundo desanimam todos aqueles que ousem assistir, e a dúvida cética cartesiana, baseada no questionamento universal, se faz pequena ante o sem-número de diagnósticos negativos da situação dados pelos órgãos competentes. O método científico de bacon, baseado no empirismo, se faz presente em testes rápidos- cruciais para atestar a presença do vírus- no mundo todo.
Ainda assim, existem resistências em grande número às admoestações. Os contos de Machado não puderam antever um governo em que o maior posto do executivo se coloca em uma esfera de forte negacionismo em relação à crise sanitária que vivenciamos hoje. O Bolsonarismo- um dos muitos movimentos messiânicos do Brasil- utiliza-se do medo que aflora dentro da população, que já sente no estômago os efeitos da crise, para confeccionar seu projeto de poder e insuflar o ego dos seus apoiadores, vistos aqui como iguais oportunistas.
Se debruçando sobre essa perspectiva ímpar, nosso escritor-mor saberia muito bem como explorá-la. A partir de tiradas irônicas e irresistíveis, este traçaria uma comparação rápida entre o atual presidente da república e outro de seus marcantes personagens: Brás Cubas. Brás Cubas também segurou uma cadeira no legislativo, na função de deputado e, ao final de sua vida formulou um duvidoso emplastro para tratar hipotermia que, segundo ele, “lhe garantiria a glória entre os homens”. Essa artimanha se mostrou ineficaz ao não conseguir curá-lo de uma pneumonia que ele adquiriu ao tentar provar sua eficiência. O emplastro do presidente é a mobilização de seu staff contra o consenso médico, a favor da diminuição do isolamento e o reaquecimento das máquinas econômicas. A diferença entre os dois é que o empreendimento de Brás prejudicou só a ele mesmo e o de Bolsonaro, no entanto, pode ser fatal a todos.
Há alguns minutos- faço esse texto em 16 de abril- o ministro Luís Henrique Mandetta foi demitido do cargo de ministro da saúde. Mandetta teve a coragem de se opor a seu chefe, seguiu a ciência e, senão por ele, o país possivelmente estaria com sua saúde muito mais debilitada, com uma taxa de mortos muito mais alta do que a apresentada atualmente. Caso o alienista Simão Bacamarte tivesse tido a oportunidade de estar presente em tal situação, e caso Brasília se chamasse Itaguaí, ele teria o bom senso de conduzir todos os responsáveis por essa patuscada à casa verde- seu sanatório.
Fernando Camargo Siqueira- 1°ano de Direito- Noturno 


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