As
crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo
médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra. Esse profissional,
além de ser o maior médico do Brasil, de Portugal e das Espanhas, quando
questionado por el-rei sobre o motivo de sua abdicação dos confortos junto à
corte para se aventurar na não-mais-colônia, era taxativo:
-
A ciência, Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é meu universo.
O
que pensaria Simão, caso ambientado em nosso século, ao ver tantos asseclas de
sua prepotência- e não de sua devoção à ciência- distribuírem em atos
panfletários, informações incorretas e potencialmente perigosas sobre a
COVID-19, pandemia que assola o mundo? Esses novos Doutores, graduados em
ciências do acaso, se multiplicam pelas redes sociais e convencem muitos que,
devido à sua falta de conhecimento, se deixam levar por dados erráticos. O Dr.
Bacamarte, introduzido repentinamente aos tempos da República, se surpreenderia
caso todo esse alvoroço fosse feito juntamente à defesa indômita de um
governante que não poupa esforços em desqualificar os que confiam na ciência.
Em
tempos de lockdown, em que é repetidamente aconselhado que se permaneça
em casa, a ciência tem sido o ombro amigo das instituições sérias e de uma
parte da população. Notícias sobre o quadro da doença no mundo desanimam todos
aqueles que ousem assistir, e a dúvida cética cartesiana, baseada no
questionamento universal, se faz pequena ante o sem-número de diagnósticos
negativos da situação dados pelos órgãos competentes. O método científico de
bacon, baseado no empirismo, se faz presente em testes rápidos- cruciais para
atestar a presença do vírus- no mundo todo.
Ainda
assim, existem resistências em grande número às admoestações. Os contos de
Machado não puderam antever um governo em que o maior posto do executivo se
coloca em uma esfera de forte negacionismo em relação à crise sanitária que
vivenciamos hoje. O Bolsonarismo- um dos muitos movimentos messiânicos do
Brasil- utiliza-se do medo que aflora dentro da população, que já sente no
estômago os efeitos da crise, para confeccionar seu projeto de poder e insuflar
o ego dos seus apoiadores, vistos aqui como iguais oportunistas.
Se
debruçando sobre essa perspectiva ímpar, nosso escritor-mor saberia muito bem
como explorá-la. A partir de tiradas irônicas e irresistíveis, este traçaria uma comparação rápida entre o atual presidente da república e outro de
seus marcantes personagens: Brás Cubas. Brás Cubas também segurou uma cadeira
no legislativo, na função de deputado e, ao final de sua vida formulou um duvidoso
emplastro para tratar hipotermia que, segundo ele, “lhe garantiria a glória
entre os homens”. Essa artimanha se mostrou ineficaz ao não conseguir curá-lo
de uma pneumonia que ele adquiriu ao tentar provar sua eficiência. O emplastro
do presidente é a mobilização de seu staff contra o consenso médico, a favor da
diminuição do isolamento e o reaquecimento das máquinas econômicas. A diferença
entre os dois é que o empreendimento de Brás prejudicou só a ele mesmo e o de
Bolsonaro, no entanto, pode ser fatal a todos.
Há
alguns minutos- faço esse texto em 16 de abril- o ministro Luís Henrique
Mandetta foi demitido do cargo de ministro da saúde. Mandetta teve a coragem de
se opor a seu chefe, seguiu a ciência e, senão por ele, o país possivelmente
estaria com sua saúde muito mais debilitada, com uma taxa de mortos muito mais
alta do que a apresentada atualmente. Caso o alienista Simão Bacamarte tivesse
tido a oportunidade de estar presente em tal situação, e caso Brasília se
chamasse Itaguaí, ele teria o bom senso de conduzir todos os responsáveis por
essa patuscada à casa verde- seu sanatório.
Fernando
Camargo Siqueira- 1°ano de Direito- Noturno
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