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sábado, 16 de maio de 2015

“Suma ciência X Suma potência = Suma felicidade”: Não para todos.

"A felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecânica e da erudição".
(Jacinto de Tormes, em A cidade e as serras)


         Augusto Comte, inserido em um contexto de intenso desenvolvimento tecno-científico no século XIX pós revolução industrial, dedica-se ao estudo dos fenômenos sociais e dos mecanismos de suas interrelações, exercício que denomina de “física social” - uma verdadeira forma de ciência da sociedade humana que lhe atribúi o reconhecimento como “pai da sociologia” por toda a posteridade. Como não poderia ser diferente, dada a época histórica, a revolução intelectual na ciência moderna iniciada por René Descartes, em seu Discurso do Método, e Francis Bacon, com o Novo Organum, é assimilada e reproduzida também por Comte em seu pensamento, ou seja, os fundamentos e métodos da ciência prática são transpostos ao plano dos estudos sociológicos e aprofunda-se a utilização da razão de forma pragmática; como instrumento de controle da natureza e dominação social.
         A análise comtiana da humanidade e suas reflexões são indissociáveis, desta forma, da majoritária mentalidade burguesa-industrial à época: a simples observação da própria conceituação do pensador em sua teoria positivista permite perceber a perspectiva de que o cientificismo e os avanços tecnológicos seriam demonstrações claras do que representaria o progresso em uma sociedade. Tal fato também explica a rápida adoção do positivismo por parte de toda a elite europeia no século XIX, que se expressa na disseminação deste no campo das ciências naturais, jurídicas e também na arte - como exemplo, têm-se a obra literarária “A cidade e as serras”, do então contemporâneo escritor Eça de Queirós, a qual aborda em sua primeira parte justamente o positivismo presente na alta burguesia de Paris e manifestada na figura do personagem principal, Jacinto, muito apegado às tecnologias que a era industrial o permitia possuir e criador da “fórmula” fortemente carregada de teor positivista “Suma ciência X Suma potência = suma felicidade”.
Essa perspectiva cientificista serve de base para toda a estruturação do método positivista de análise social, a saber, a hierarquização das sociedades feita por Comte embasa-se na classificação destas em três estágios de desenvolvimento: o primeiro e mais primitivo, o estágio teológico, seria aquele em que os indivíduos explicam os fenômenos por mitos e organizam seu Estado teocraticamente; o segundo e superior na escala de evolução social é denominado estágio metafísico, no qual prevalece o uso da razão e do raciocínio argumentativo por meio da filosofia empírica e contemplativa do mundo; e, por fim, o terceiro e último na ordem de superoriedade: o estágio positivo propriamente dito, caracterizado pela presença predominante da ciência como prática recorrente e pela organização sistemática e pragmática do pensamento e da sociedade em si.
         No entanto, a adoção da postura positivista de que a finalidade última de uma sociedade é o progresso e que esse progresso está restritamente figurado nos avanços tecnológicos e adventos industriais justifica e dá margem para o surgimento de práticas internacionais abusivas, desde o pós revolução industrial até os dias de hoje, como o neocolonialismo. Assumir que países africanos, por exemplo, eram subdesenvolvidos e, portanto, deveriam “progredir” possibilitou aos europeus justificar sua exploração desmedida de recursos naturais nesses países, forçando uma industrialização desordenada e agravando as animosidades étnicas pré-existentes no local através do fornecimento de armamentos para certas tribos e da definição de fronteiras territoriais que antes não eram delineadas - pode-se citar aqui como exemplo todos os casos de descolonização ocorridos após a Partilha da África na Conferência de Berlim de 1885; com destaque para o famoso caso ruandês, do qual trata o filme Hotel Ruanda (2004), em que a intervenção belga no país provocou um verdadeiro massacre entre as etnias tutsi e hutu.
Conclui-se disso, portanto, que o positivismo, ao hierarquizar o estado de “evolução social”; só serve aos interesses do capitalismo selvagem que avançava cada vez mais hostil aos divergentes após a Revolução Industrial; trata-se, assim, de uma metodologia científica e teoria sociológica que ignora as diferenças culturais e os valores que não os estritamente difundidos pela Europa a partir do século XIX – tem-se como finalidade última o progresso em níveis superestruturais (diga-se, a sociedade industrial) mas, como mostram claramente os exemplos históricos, não a harmonia e a igualdade.


Gabriella Di Piero
1º ano de Direito - Diurno

Introdução à Sociologia

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