"A felicidade dos indivíduos, como a das nações,
se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecânica e da erudição".
(Jacinto de Tormes, em A cidade e as
serras)
Augusto
Comte, inserido em um contexto de intenso desenvolvimento tecno-científico no
século XIX pós revolução industrial, dedica-se ao estudo dos fenômenos sociais
e dos mecanismos de suas interrelações, exercício que denomina de “física
social” - uma verdadeira forma de ciência da sociedade humana que lhe atribúi o
reconhecimento como “pai da sociologia” por toda a posteridade. Como não
poderia ser diferente, dada a época histórica, a revolução intelectual na
ciência moderna iniciada por René Descartes, em seu Discurso do Método,
e Francis Bacon, com o Novo Organum, é assimilada e reproduzida também
por Comte em seu pensamento, ou seja, os fundamentos e métodos da ciência
prática são transpostos ao plano dos estudos sociológicos e aprofunda-se a
utilização da razão de forma pragmática; como instrumento de controle da
natureza e dominação social.
A
análise comtiana da humanidade e suas reflexões são indissociáveis, desta
forma, da majoritária mentalidade burguesa-industrial à época: a simples
observação da própria conceituação do pensador em sua teoria positivista
permite perceber a perspectiva de que o cientificismo e os avanços tecnológicos
seriam demonstrações claras do que representaria o progresso em uma sociedade.
Tal fato também explica a rápida adoção do positivismo por parte de toda a
elite europeia no século XIX, que se expressa na disseminação deste no campo
das ciências naturais, jurídicas e também na arte - como exemplo, têm-se a obra
literarária “A cidade e as serras”, do então contemporâneo escritor Eça de
Queirós, a qual aborda em sua primeira parte justamente o positivismo presente
na alta burguesia de Paris e manifestada na figura do personagem principal,
Jacinto, muito apegado às tecnologias que a era industrial o permitia possuir e
criador da “fórmula” fortemente carregada de teor positivista “Suma ciência X
Suma potência = suma felicidade”.
Essa perspectiva cientificista serve de base para toda
a estruturação do método positivista de análise social, a saber, a
hierarquização das sociedades feita por Comte embasa-se na classificação destas
em três estágios de desenvolvimento: o primeiro e mais primitivo, o estágio
teológico, seria aquele em que os indivíduos explicam os fenômenos por mitos e
organizam seu Estado teocraticamente; o segundo e superior na escala de
evolução social é denominado estágio metafísico, no qual prevalece o uso da
razão e do raciocínio argumentativo por meio da filosofia empírica e
contemplativa do mundo; e, por fim, o terceiro e último na ordem de
superoriedade: o estágio positivo propriamente dito, caracterizado pela
presença predominante da ciência como prática recorrente e pela organização
sistemática e pragmática do pensamento e da sociedade em si.
No
entanto, a adoção da postura positivista de que a finalidade última de uma
sociedade é o progresso e que esse progresso está restritamente figurado nos
avanços tecnológicos e adventos industriais justifica e dá margem para o
surgimento de práticas internacionais abusivas, desde o pós revolução
industrial até os dias de hoje, como o neocolonialismo. Assumir que países
africanos, por exemplo, eram subdesenvolvidos e, portanto, deveriam “progredir”
possibilitou aos europeus justificar sua exploração desmedida de recursos
naturais nesses países, forçando uma industrialização desordenada e agravando
as animosidades étnicas pré-existentes no local através do fornecimento de
armamentos para certas tribos e da definição de fronteiras territoriais que
antes não eram delineadas - pode-se citar aqui como exemplo todos os casos de
descolonização ocorridos após a Partilha da África na Conferência de Berlim de
1885; com destaque para o famoso caso ruandês, do qual trata o filme Hotel
Ruanda (2004), em que a intervenção belga no país provocou um verdadeiro
massacre entre as etnias tutsi e hutu.
Conclui-se disso, portanto, que o positivismo, ao
hierarquizar o estado de “evolução social”; só serve aos interesses do
capitalismo selvagem que avançava cada vez mais hostil aos divergentes após a
Revolução Industrial; trata-se, assim, de uma metodologia científica e teoria
sociológica que ignora as diferenças culturais e os valores que não os
estritamente difundidos pela Europa a partir do século XIX – tem-se como
finalidade última o progresso em níveis superestruturais (diga-se, a sociedade
industrial) mas, como mostram claramente os exemplos históricos, não a harmonia
e a igualdade.
Gabriella Di Piero
1º ano de Direito - Diurno
Introdução à
Sociologia
Muito bom!
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