Como bem o fora exposto no texto do professor Luis
Roberto Barroso, houve uma crescente participação do poder judiciário na esfera
institucional do país. Disso decorre o que o professor chama de “fluidez da
fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo”.Este é o ponto ao
qual gostaria de ater algumas reflexões. Para tal, devo elucidar alguns pontos
da teoria de Kelsen, que tratam a respeito da interpretação do direito e da
discricionariedade do juiz para fazê-lo.
A priori, partamos de
uma breve definição de discricionário: ”poder exercido com certa liberdade de
decisão face às situações concretas que não se encontram regulamentadas de modo
a satisfazer o interesse público da melhor forma.” Nessa perspectiva, Kelsen,
em sua obra, “Teoria pura do direito”, versou sobre a discricionariedade do judiciário na interpretação de normas. Para
Kelsen, há dois tipos de interpretação, uma não autentica e outra autentica.
Segundo ele, a interpretação não autentica dá-se a partir da abertura semântica
dos textos legislativos em que, para uma mesma disposição, surge uma multiplicidade
de normas, dentro dos limites delineados pelo que o autor chama de moldura da
norma, ou seja, o conjunto de sentidos possíveis da norma jurídica. Em curtas
linhas, consiste nada mais do que uma extensão da hermenêutica normativa.
Cumpre ao direito, portanto, traçar essa moldura, não lhe cabendo optar por um
ou outro sentido o que o levaria a fugir da seara cientifica jurídica e
adentrar nos confins da política e da sociologia. Alem da sua não
autenticidade, sob o ponto de vista de Kelsen, essa interpretação é não
vinculante, ou seja, fora de parâmetros legais. Por outro lado, a interpretação
autêntica refere-se aquela realizada pelo legislador e pelos órgãos judiciais
no momento efetivo da produção normativa. Trata-se da única interpretação
vinculante em que a escolha de uma ou outra norma dentro da moldura ofertada
pelo texto é, para Kelsen, ato puramente voluntarista, e a ciência do Direito
não pode se ocupar da individualização normativa, cumprindo-lhe, apenas,
delinear essa moldura dentro da qual escolherá discricionariamente o legislador
e o juiz.
Nessa perspectiva,
Kelsen delineia um dos princípios básicos da minha defesa acerca do ativismo
judicial. A legitimidade do juiz para escolher, dentro dos parâmetros normativos
disponíveis, normas que existam e que dêem respostas positivas à demandas
concretas da sociedade. Não se trata aqui de uma sublimação hermenêutica do
direito de modo irresponsável, ou meramente ideológico, em que o legislador
tenha versado a palavra “carneiro” e o juiz a partir de divagações semânticas
chegue a entender aquilo como “macarronada”. O problema de argumentações em
defesa do ativismo judicial como uma mera expressão de uma hermenêutica entendida
em favor de causas sociais é a de que
tal fato conferiria aos juízes poderes quase que ilimitados; e estaríamos
relativizando princípios fundamentais do direito como a isonomia tido que
julgamentos tenderiam à responder anseios políticos, ideológicos e particulares
dos próprios magistrados, que funcionalizariam o direito a seu bel prazer. Esse seria o caso da interpretação ilegítima
apresentada por Kelsen, e aqui consistem os riscos reais à manutenção da legitimidade
democrática. Na verdade, uma das propriedades fundamentais do ordenamento
jurídico é a sua completude, que o leva a dispor de regulamentação para todo e
qualquer caso, por mais absurdo que seja; e mesmo quando não o faz de maneira
expressa, temos à disposição os remédios da jurisprudência, da analogia e dos
costumes. Nesse sentido, não cabe ao judiciário o impedimento de atuação dentro
da seara normativa; esse espaço lhe é previamente destinado e previamente
delimitado pelo direito. Magistrados teriam total legitimidade de atuação
dentro da norma; e estritamente por meio da norma; usando a expressão vulgar de
“dentro dos seus quadrados”.
Roberto Renan Belozo - 1° direito noturno
Roberto Renan Belozo - 1° direito noturno
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