“A obsessão de Eduardo Cunha pelos gays é algo que vai muito
além do razoável, até para os padrões de sua turma. Em janeiro,
Cunha criticou o que o “movimento gay” faz do Judiciário. As
entidades estão, segundo ele, conquistando na Justiça o que não
conseguem mudar no Congresso.” (Trecho retirado de matéria em
“Pragmatismo Político”).
Com essa ideia inicial, a pauta em destaque torna-se justamente a
ação diferenciada que o Poder Judiciário tem apresentado nos
últimos anos, no sentido de tomar parte em discussões muitas vezes
evitadas pelo próprio Poder Legislativo – atualmente considerado
de direita, e menos conivente com a introdução de leis positivas
aos grupos minoritários. Tal mudança ganhou o nome de
“Judicialização do Poder”, amplamente discutida em texto de
Luis Roberto Barroso, e se define pela abordagem de questões de
larga repercussão política ou social pelo Judiciário, antes muito mais função do Congresso Nacional e o Poder Executivo. Ou seja, como citado
anteriormente, um grupo que não se vê representado pelo poder que
cria leis tem a oportunidade de fazê-lo por meio de quem as julga.
São fomentadas críticas e benefícios ao processo, principalmente
embasadas na ideia da democracia – o que, segundo Barroso, é a
grande responsável pelo crescimento da judicialização –,
principalmente afirmando-se que, por ser o cargo dos magistrados não
resultante de eleições do po-vo, dar-lhe poderes para decisões
dessa natureza seria talvez antidemocrático, posto que os
verdadeiros eleitos a fim de elaborar leis são os membros do
Congresso.
Vemos um exemplo da judicialização não somente no excerto
retirado da reportagem, sobre Eduardo Cunha e o movimento LGBT, mas
em todos os julgados estudados até aqui – desde o caso do
Pinheirinho, passando pela cirurgia da transexual, e o caso das cotas
da Universidade de Brasília –, e vemos como isso pode adquirir
expressões singulares, nem sempre favoráveis às minorias. No caso
da comunidade de ocupação, o Pinheirinho, a decisão da juíza foi
extremamente tendenciosa no sentido de acomodar o direito à
propriedade em detrimento aos vários direitos humanos reservados
aos habitantes, posicionando-se ao lado da Massa Falida e ordenando o
despejo. No caso da transexual, no entanto, o juiz tomou parte da
minoria, e reconheceu o direito da jovem de poder realizar sua
cirurgia no sistema público. Em ambos os casos, a decisão do
magistrado foi embasada em Constituição, ou seja, não foi lei
criada arbitrariamente por eles.
Com mais destaque, tem-se o caso das cotas. A ideia de o Estado se
reconhecer deficiente no acesso igualitário dos alunos de escolas
públicas às universidades igualmente gratuitas é fundamen-tal para
a compreensão da importância dessas ações afirmativas contra a
chamada meritocracia. Entender que todos não podem competir em “pé
de igualdade” se não lhe são dadas as mesmas oportunidades
possibilita a construção de uma noção de necessidade às
políticas de cotas, e o envolvimento dos juízes no pedido de
reconhecimento de inconstitucionalidade, do Democratas, demonstra
mais uma vez a presença desse Poder nas grandes e polêmicas
decisões. As normas, em Constituição, serviram de base para a
afirmação de que as ações de cota devem ser impedidas de prática,
segundo argumentação do Partido; mas os próprios juízes do
processo não reconheceram tal ideia ao interpretar a Carta,
indeferindo o pedido.
O grande conflito, nesse contexto de judicialização, é a
dificuldade de se limitar a atuação do Judiciário, primeiro a fim
de garantir aplicação da democracia; segundo para evitar a
arbitrariedade do responsável pelo julgamento – como vemos,
também, na liminar de uma juíza de Franca para coibir os
“rolezinhos”, o que demonstra novamente como nem sempre a
judicialização favorece os princípios democráticos de direito.
Dessa forma, entende-se que a judicialização é como uma via de mão
dupla, podendo favorecer as minorias ou assentar suas bases nas
concepções liberais ou conservadoras, pecando na linearidade de
decisões e, principalmente, deixando à sorte do destino os casos
encaminhados a julgamento. Somente cabe a questão final se será
esse um risco que os próprios brasileiros estão dispostos a
correr, posto que não são garantidos todos os seus direitos nos
formatos do julgamento estritamente material – ou seja, da matéria
da lei, não dos contextos.
Excerto retirado do site “Pragmatismo Político”, acessado em 12
de fevereiro de 2015:
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/qual-e-o-problema-de-eduardo-cunha-com-os-gays.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário