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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O Direito deve perscrutar o futuro.

Weber propõe que toda decisão jurídica seja a aplicação de uma disposição jurídica abstrata a uma constelação de fatos concretos. Isso pode ser observado através da abertura do catalogo constitucional dos direitos fundamentais, pois os princípios presentes na Constituição de 88 são usados de forma a justificar racionalmente sua aplicação para fatos não tutelados pelo direito.
A garantia desses direitos implicitamente tutelados também demonstram a possibilidade de valer-se do raciocínio lógico na esfera jurídica para decidir a partir das disposições genéricas abstratas, como os direitos fundamentais de liberdade, igualdade, privacidade e intimidade dentro do rol da dignidade da pessoa humana.
Weber diz ainda que o direito objetivo vigente não deveria apresentar lacunas de disposições jurídicas. No mesmo sentido, em face da existência dessas omissões no texto constitucional, existe a proibição de proteção insuficiente, e por isso o Estado tem o dever de garantir ferramentas que possibilitem não incorrer em deturpação do princípio de proporcionalidade, através de uma ação racional, dirigida, utilitária e tecnicamente material, com o fornecimento dos equipamentos e alteração de registro civil para a readequação sexual requerida.
Os laudos médicos, científicos e racionais atestam a necessidade de readequação corporal através da cirurgia de mudança de sexo, para que o transexual sinta-se não mais preso dentro de um corpo que lhe é estranho, e possa lhe ser garantido o direito de liberdade que é parte essencial do direito legítimo. O Direito está em constante tensionamento diante das diferentes perspectivas de racionalização. Por isso, o Direito tende a adotar uma perspectiva de hiper-racionalização de todas as perspectivas da vida, buscando atingir um ponto de vista lógico filosófico dentro de uma racionalidade democrática, justificando a cirurgia de mudança de sexo não apenas pelos laudos médicos, mas dentro de uma perspectiva de uma necessidade visceral para o transexual, uma urgência em ter atendido seu direito fundamental de identidade, de liberdade, e consequente felicidade.
Essa racionalidade que o Direito aparenta está sempre permeada pela irracionalidade trazida pelos costumes, tradições e dogmáticas religiosas. A ementa lembra que o papel do Direito é valer-se do ordenamento jurídico, da Constituição e de tratados internacionais para determinar suas decisões, sem ater-se a aspirações de particulares ou de grupos, quando o direito requerido não fere o direito alheio. Verificada a existência real de direitos fundamentais que possuem uma dimensão objetiva, é exigível uma aplicação imediata. Todavia, o direito formal só pode legitimar um direito caso o conteúdo deste direito não contradiga a razão, que pode estar permeada pelo pensamento religioso, e portanto, não racional. O Direito que deve prevalecer é sustentado na razão pública, fazendo jus ao pacto Constitucional e ao pluralismo presente na Constituição de 1988, valendo-se de argumentos legítimos por todos em detrimento da opinião de grupos específicos.
O direito capitalista é contraditório, pois está sempre rodeado de pressões e ideologias que querem reivindicar sua perspectiva de racionalidade. Isso implica que a ética está vinculada a perspectiva material. Na perspectiva de direito natural puramente formal, o razoável é aquilo que se pode deduzir das ordens eternas de natureza. Todavia, essa concepção é insuficiente para tratar dos transexuais, uma vez que se encontram fora do padrão biológico feminino e masculino. O Direito para Weber é algo que se modifica com o tempo, sendo influenciado de alguma forma, o que explica a evolução do direito formal para o material.
Para Weber, não há fatores objetivos que favoreçam a racionalização do Direito no Capitalismo, mas o desenvolvimento social moderno pulverizou, debilitou em grande medida o racionalismo jurídico formal.  Nesse viés, a ementa traz um embasamento que analisa a sociedade capitalista, dizendo que ela desumaniza os comportamentos a medida que busca estabelecer uma regularidade repetitiva de modelos, e busca vestir os comportamentos desviantes com uma capa patológica, assim como faz com a questão do transexual, buscando criar uma atmosfera de um problema individual, patológico, de uma incapacidade de perceber-se adequado ao próprio corpo físico, quando na  verdade a psicologia destoa dessa concepção patológica afirmando que a transexualidade é apenas um outro modo de exercer o próprio ser e viver a própria sexualidade, e que por isso patológica é a sociedade incapaz de conviver com as diferenças.
É racional aquilo que podemos calcular as suas implicações. A modernidade traz essa necessidade de vislumbrar o futuro. O padrão moderno pautado pelos binômios auxiliam e vem auxiliando homem moderno a pautar sua conduta. O homem moderno sabe exatamente o que será do futuro, ou pelo menos muito do que será o futuro porque ele é padronizável, calculável. Esse padrão é algo útil a sociedade burguesa porque o sistema que ela engendra demanda o cálculo racional que é o domínio sobre o presente mas também sobre o que é o futuro.
Para o Direito, é imperativo se utilizar não mais de uma lógica unívoca monolítica, mas de uma lógica pluridisciplinar, interdisciplinar, sob pena de não dar conta da complexidade do real. A razão jurídica será aleijada se ela se utiliza meramente de referenciais limitados da ciência. Lidar com o direito hoje é lidar em dimensões plurais, multifacetadas. 

A racionalidade absoluta é a utopia, o inalcançável da modernidade, que se constitui evocando a razão como guia para as condutas no novo tempo, mas essa razão é intrínseca não a um viver único, a uma premissa que vale para todos como um valor universal, ela é inerente a grupos, práticas éticas particulares dos grupos. Por isso, é válido dizer que Weber é adequado e pertinente ao nosso momento de forma bem mais contundente que a seu próprio tempo.

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