Weber propõe que toda decisão jurídica seja a
aplicação de uma disposição jurídica abstrata a uma constelação de fatos
concretos. Isso pode ser observado através da abertura do catalogo
constitucional dos direitos fundamentais, pois os princípios presentes na
Constituição de 88 são usados de forma a justificar racionalmente sua aplicação
para fatos não tutelados pelo direito.
A garantia desses direitos implicitamente tutelados
também demonstram a possibilidade de valer-se do raciocínio lógico na esfera jurídica
para decidir a partir das disposições genéricas abstratas, como os direitos
fundamentais de liberdade, igualdade, privacidade e intimidade dentro do rol da
dignidade da pessoa humana.
Weber diz ainda que o direito objetivo vigente não
deveria apresentar lacunas de disposições jurídicas. No mesmo sentido, em face
da existência dessas omissões no texto constitucional, existe a proibição de
proteção insuficiente, e por isso o Estado tem o dever de garantir ferramentas
que possibilitem não incorrer em deturpação do princípio de proporcionalidade,
através de uma ação racional, dirigida, utilitária e tecnicamente material, com
o fornecimento dos equipamentos e alteração de registro civil para a
readequação sexual requerida.
Os laudos médicos, científicos e racionais atestam a
necessidade de readequação corporal através da cirurgia de mudança de sexo,
para que o transexual sinta-se não mais preso dentro de um corpo que lhe é
estranho, e possa lhe ser garantido o direito de liberdade que é parte
essencial do direito legítimo. O Direito está em constante tensionamento diante
das diferentes perspectivas de racionalização. Por isso, o Direito tende a
adotar uma perspectiva de hiper-racionalização de todas as perspectivas da
vida, buscando atingir um ponto de vista lógico filosófico dentro de uma
racionalidade democrática, justificando a cirurgia de mudança de sexo não
apenas pelos laudos médicos, mas dentro de uma perspectiva de uma necessidade
visceral para o transexual, uma urgência em ter atendido seu direito fundamental
de identidade, de liberdade, e consequente felicidade.
Essa racionalidade que o Direito aparenta está sempre
permeada pela irracionalidade trazida pelos costumes, tradições e dogmáticas
religiosas. A ementa lembra que o papel do Direito é valer-se do ordenamento
jurídico, da Constituição e de tratados internacionais para determinar suas
decisões, sem ater-se a aspirações de particulares ou de grupos, quando o
direito requerido não fere o direito alheio. Verificada a existência real de
direitos fundamentais que possuem uma dimensão objetiva, é exigível uma
aplicação imediata. Todavia, o direito formal só pode legitimar um direito caso
o conteúdo deste direito não contradiga a razão, que pode estar permeada pelo
pensamento religioso, e portanto, não racional. O Direito que deve prevalecer é
sustentado na razão pública, fazendo jus ao pacto Constitucional e ao
pluralismo presente na Constituição de 1988, valendo-se de argumentos legítimos
por todos em detrimento da opinião de grupos específicos.
O direito capitalista é contraditório, pois está
sempre rodeado de pressões e ideologias que querem reivindicar sua perspectiva
de racionalidade. Isso implica que a ética está vinculada a
perspectiva material. Na perspectiva de
direito natural puramente formal, o razoável é aquilo que se pode deduzir das
ordens eternas de natureza. Todavia, essa concepção é insuficiente para tratar
dos transexuais, uma vez que se encontram fora do padrão biológico feminino e
masculino. O Direito para Weber é algo que se modifica com o tempo, sendo
influenciado de alguma forma, o que explica a evolução do direito formal para o
material.
Para Weber, não há fatores objetivos que favoreçam a
racionalização do Direito no Capitalismo, mas o desenvolvimento social moderno
pulverizou, debilitou em grande medida o racionalismo jurídico formal. Nesse viés, a ementa traz um embasamento que
analisa a sociedade capitalista, dizendo que ela desumaniza os comportamentos a
medida que busca estabelecer uma regularidade repetitiva de modelos, e busca
vestir os comportamentos desviantes com uma capa patológica, assim como faz com
a questão do transexual, buscando criar uma atmosfera de um problema individual,
patológico, de uma incapacidade de perceber-se adequado ao próprio corpo
físico, quando na verdade a psicologia
destoa dessa concepção patológica afirmando que a transexualidade é apenas um
outro modo de exercer o próprio ser e viver a própria sexualidade, e que por
isso patológica é a sociedade incapaz de conviver com as diferenças.
É
racional aquilo que podemos calcular as suas implicações. A modernidade traz
essa necessidade de vislumbrar o futuro. O padrão moderno pautado pelos
binômios auxiliam e vem auxiliando homem moderno a pautar sua conduta. O homem
moderno sabe exatamente o que será do futuro, ou pelo menos muito do que será o
futuro porque ele é padronizável, calculável. Esse padrão é algo útil a
sociedade burguesa porque o sistema que ela engendra demanda o cálculo racional
que é o domínio sobre o presente mas também sobre o que é o futuro.
Para
o Direito, é imperativo se utilizar não mais de uma lógica unívoca monolítica,
mas de uma lógica pluridisciplinar, interdisciplinar, sob pena de não dar conta
da complexidade do real. A razão jurídica será aleijada se ela se utiliza
meramente de referenciais limitados da ciência. Lidar com o direito hoje é
lidar em dimensões plurais, multifacetadas.
A
racionalidade absoluta é a utopia, o inalcançável da modernidade, que se
constitui evocando a razão como guia para as condutas no novo tempo, mas essa
razão é intrínseca não a um viver único, a uma premissa que vale para todos
como um valor universal, ela é inerente a grupos, práticas éticas particulares
dos grupos. Por isso, é válido dizer que Weber é adequado e pertinente ao nosso
momento de forma bem mais contundente que a seu próprio tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário