A dominação
da normalidade
No
Brasil, a desigualdade social não é apenas uma realidade estatística, ela é,
sobretudo, uma paisagem silenciosa do cotidiano. Tão presente quanto invisível,
ela parece fazer parte da ordem natural das coisas. A ideia de que algumas
pessoas “sempre viveram assim” ou de que “cada um tem o que merece” expressa
uma lógica perversa: a naturalização da desigualdade. Para compreender esse
fenômeno, é necessário olhar para além das aparências e perceber como a
dominação se constrói e se sustenta no tecido social. Max Weber, ao tratar dos
tipos de dominação, mostra que a obediência às autoridades e às estruturas
sociais não ocorre apenas pela força, mas também porque essas formas de poder
são aceitas como legítimas. Assim, quando a desigualdade é justificada por
discursos meritocráticos ou pela ideia de esforço individual, ela se transforma
em algo que deixa de ser questionado — e, portanto, permanece.
Além
disso, é fundamental considerar que essa aceitação não acontece de forma neutra
ou espontânea. Ela é resultado de um processo histórico marcado por exclusões e
privilégios. Nesse sentido, o pensamento de Silvio Almeida sobre o racismo
estrutural é essencial para compreender como a desigualdade racial é produzida
e reproduzida no Brasil. Para o autor, o racismo não se limita a atitudes
individuais, mas estrutura o funcionamento das instituições, das relações
econômicas e dos padrões culturais. Consequentemente, quando a população negra
é sistematicamente empurrada para as margens seja nas estatísticas de renda,
seja na sub-representação política ou nas taxas de violência, isso não é um
acaso, mas uma manifestação concreta dessa dominação que opera de forma
silenciosa e persistente.
É
justamente essa persistência que torna a desigualdade ainda mais difícil de
enfrentar. Quando as diferenças de acesso, oportunidade e reconhecimento são
tratadas como parte da normalidade social, qualquer tentativa de transformação
parece desnecessária ou até mesmo injusta com aqueles que “venceram por
mérito”. O discurso meritocrático, amplamente difundido, funciona como um dos
principais mecanismos de manutenção da ordem social, pois oculta as
desigualdades estruturais sob uma aparência de justiça e imparcialidade. Assim,
a dominação se atualiza e se renova sem precisar recorrer à violência direta:
basta que continue parecendo legítima aos olhos da maioria.
Portanto, romper com a naturalização das desigualdades exige, antes de tudo, desfazer os discursos que as sustentam e iluminar as estruturas que as produzem. É necessário expor os mecanismos simbólicos e institucionais que transformam a injustiça em rotina e o privilégio em mérito. Só assim será possível construir uma sociedade em que as diferenças não sejam desculpas para a exclusão, mas pontos de partida para a equidade. Enquanto a dominação continuar disfarçada de normalidade, a desigualdade seguirá como regra e não como exceção a ser combatida.
Felipe Bechelli Caldas 1ºano matutino
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