Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 19 de maio de 2025

A dominação da normalidade

 

A dominação da normalidade

No Brasil, a desigualdade social não é apenas uma realidade estatística, ela é, sobretudo, uma paisagem silenciosa do cotidiano. Tão presente quanto invisível, ela parece fazer parte da ordem natural das coisas. A ideia de que algumas pessoas “sempre viveram assim” ou de que “cada um tem o que merece” expressa uma lógica perversa: a naturalização da desigualdade. Para compreender esse fenômeno, é necessário olhar para além das aparências e perceber como a dominação se constrói e se sustenta no tecido social. Max Weber, ao tratar dos tipos de dominação, mostra que a obediência às autoridades e às estruturas sociais não ocorre apenas pela força, mas também porque essas formas de poder são aceitas como legítimas. Assim, quando a desigualdade é justificada por discursos meritocráticos ou pela ideia de esforço individual, ela se transforma em algo que deixa de ser questionado — e, portanto, permanece.

Além disso, é fundamental considerar que essa aceitação não acontece de forma neutra ou espontânea. Ela é resultado de um processo histórico marcado por exclusões e privilégios. Nesse sentido, o pensamento de Silvio Almeida sobre o racismo estrutural é essencial para compreender como a desigualdade racial é produzida e reproduzida no Brasil. Para o autor, o racismo não se limita a atitudes individuais, mas estrutura o funcionamento das instituições, das relações econômicas e dos padrões culturais. Consequentemente, quando a população negra é sistematicamente empurrada para as margens seja nas estatísticas de renda, seja na sub-representação política ou nas taxas de violência, isso não é um acaso, mas uma manifestação concreta dessa dominação que opera de forma silenciosa e persistente.

É justamente essa persistência que torna a desigualdade ainda mais difícil de enfrentar. Quando as diferenças de acesso, oportunidade e reconhecimento são tratadas como parte da normalidade social, qualquer tentativa de transformação parece desnecessária ou até mesmo injusta com aqueles que “venceram por mérito”. O discurso meritocrático, amplamente difundido, funciona como um dos principais mecanismos de manutenção da ordem social, pois oculta as desigualdades estruturais sob uma aparência de justiça e imparcialidade. Assim, a dominação se atualiza e se renova sem precisar recorrer à violência direta: basta que continue parecendo legítima aos olhos da maioria.

Portanto, romper com a naturalização das desigualdades exige, antes de tudo, desfazer os discursos que as sustentam e iluminar as estruturas que as produzem. É necessário expor os mecanismos simbólicos e institucionais que transformam a injustiça em rotina e o privilégio em mérito. Só assim será possível construir uma sociedade em que as diferenças não sejam desculpas para a exclusão, mas pontos de partida para a equidade. Enquanto a dominação continuar disfarçada de normalidade, a desigualdade seguirá como regra e não como exceção a ser combatida.

Felipe Bechelli Caldas 1ºano matutino

Nenhum comentário:

Postar um comentário