No capítulo “Raça e história”, da obra “Racismo estrutural”, o pensador político Silvio Almeida argumenta que a discriminação (racial) tem como requisito a detenção do poder, ou seja, a atribuição da autoridade a certo grupo social, o qual direciona um tratamento díspar aos demais de acordo com critérios pré-concebidos, como a raça. A autoridade, por sua vez, é um conceito definido pelo sociólogo Max Weber como o fator de legitimação da dominação, isto é, o que leva à aceitação racional do domínio de outrem sobre si, e pode ser expressa de diversas formas distintas (racional-legal, tradicional, institucional e carismática). Sob ambas as perspectivas, compreender-se-á a relação íntima entre a dominação racista e as múltiplas autoridades que lhe conferem legitimidade.
Ao analisar o período do Neocolonialismo, ocorrido durante o Século XIX, Almeida afirma que o homem europeu era visto como um ideal universal de ser humano, um “tipo ideal” weberiano, que representava a modernidade e o progresso, ascendentes na época e, por isso, cabia a ele o “fardo” de levar a civilização moderna aos povos “selvagens” de todas as outras etnias não-europeias. Desse modo, sob a análise weberiana, o colonizador teria a autoridade racional-legal, legitimada pela racionalidade - a qual seria expressa pela legislação e pela ciência da época, por meio, por exemplo, de correntes pseudocientíficas, como o darwinismo social e a “teoria das raças” - , para ocupar outros territórios e subjugar suas populações. Outrossim, a legitimação da eugenia não deu-se apenas por meio da racionalidade, sendo sustentada pela autoridade racional-legal da ciência, mas também pela religião, cuja autoridade tradicional, incorporadas pelos jesuítas, por exemplo, apoiava-se no discurso evangelizador de salvar os povos não-cristãos da barbárie para acobertar a intenção de aculturá-los.
Ademais, Weber define como “autoridade institucional” aquela que, advinda da administração burocrática, efetiva sua dominação sobre determinado grupo pressionando a ação deste ao enquadramento na norma estabelecida. Exemplo histórico de instrumentalização dessa autoridade é o período pós-abolição da escravatura no Brasil, quando a “Lei da vadiagem” atribuiu aos detentores da “força legítima do Estado”, ou por outra, aos agentes de segurança pública, a autoridade para determinar quem poderia ter direito à liberdade de fato. Destarte, tal lei evidencia a pretensão da elite racista da época de, por meio de uma autoridade legalmente legitimada, encarcerar a população preta recém liberta, com a justificativa de estar corrigindo o comportamento negro desviado (vadiagem) das “condutas expectáveis”, como preconiza Weber, moralmente estabelecidas naquela sociedade (valorizar o trabalho). Nota-se, portanto, a desconsideração do cenário enfrentado pela população agora livre da escravidão, cujas demandas por condições mínimas de sobrevivência foram ignoradas pelo governo brasileiro, uma forma de “discriminação indireta”, segundo Almeida, justamente com o fito de manter a dominação exercida pela autoridade estatal sobre os afrobrasilieros mesmo após oficializada sua libertação.
Por fim, na hodiernidade, vê-se uma expressão mais velada, mas não menos destrutiva, do racismo: a forma estrutural, isto é, que está intrincada ao subconsciente da sociedade e às instituições desta, sem assumi-lo explicitamente, contudo. Concomitantemente à autoridade institucional já citada, a qual segue, até hoje, legitimando o controle dos corpos e mentes negros, a exemplo da sistemática violência policial, tem-se a sustentação da hegemonia branca no poder pela perpetuação de “consensos”, nas palavras de Almeida, na sociedade que normalizam a dominação e impõe a supremacia dos próprios padrões de vida. Ainda, ao exemplificar, vê-se a grande articulação pela elite racista contemporânea dos “tipos ideais”, no senso comum, do homem branco como “cidadão de bem”, referencial de santidade, honestidade e bom caráter, em contraposição ao do homem negro, como preguiçoso, violento e potencialmente marginal. Dessarte, em função da construção ideológica de imagens tão antagônicas da população branca em relação à população racializada, a autoridade carismática é um grande privilégio concedido à branquitude, já que esta se vale da meritocracia, alegando superioridade de suas atribuições pessoais para receber reconhecimento e prestígio social, quando, na realidade material, trata-se da detenção de condições desiguais às da classe negra, estigmatizada como inferior nos mais diversos âmbitos.
Texto 5 (Max Weber e Silvio Almeida, tema: "AUTORIDADE")
Laura Xavier de Oliveira - 1°ano - Direito (matutino)
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