Existe lugar para o marxismo na formação e atuação do jurista? Esta questão suscita debates profundos sobre a intersecção entre teoria marxista e prática jurídica, lançando luz sobre a complexidade das relações sociais, ideológicas e econômicas que permeiam o direito.
Fez-se questão de colocar entre aspas a expressão direito “como ideologia”, dada a série de equívocos em que a redução do jurídico a tal fenômeno acarreta. No entanto, inscrever o direito como ideologia, via de regra, é uma simplificação bastante corrente que não faz jus a uma discussão aprofundada sobre um e sobre outro, nem sobre exatamente o que constitui uma ideologia jurídica. A ideologia, independentemente de ser definida como “consciência de classe”, “consciência invertida” ou “falsa consciência”, é situada na superestrutura social, onde a vida material e suas relações se expressam como ideias, valores, atitudes, crenças e assemelhados.
Por outro lado, o direito se apresenta com dupla face: uma expressa relações do mundo concreto, levando alguns a confundi-lo com mera ideologia. A outra, muitas vezes negligenciada, é que o direito cria relações, adquirindo existência efetiva e deixando de se manifestar apenas como idealidade. Assim, é essencial encetar uma reflexão crítica do jurídico para superar tais impasses teóricos e compreender o papel da ideologia jurídica na produção, reprodução, interpretação e aplicação do direito.
Dessa forma, tal cultura constitui-se num foco de sentido por meio do qual as pessoas interpretam o universo normativo e constroem o que se chama de ordem jurídica como expressão de um poder material. Essa ordem não se explica por um suposto acordo negociado entre diferentes visões de mundo, mas como um espaço onde concepções ideológicas lutam pela afirmação de seus projetos.
Além disso, admitido esse caráter específico do jurídico e a inaplicabilidade da causalidade da natureza às suas regras, fica evidente o lugar e função específica da interpretação no mundo jurídico. O direito, ao mesmo tempo em que expressa e normatiza as relações sociais, reflete as opções políticas, culturais, econômicas e espirituais que hegemonizam o embate social, equilibrando o dualismo gramsciano de consenso/dominação.
Portanto, qualquer tipo de interpretação – descritiva ou prescritiva – é ideologicamente orientada, sem que isso desvalorize a atividade jurídica. Assim, o marxismo pode oferecer insights valiosos para a formação e atuação do jurista, incentivando uma reflexão crítica sobre as bases ideológicas e estruturais do direito e promovendo uma prática jurídica mais consciente e engajada na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário