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segunda-feira, 15 de abril de 2024

Entre a ideologia e a realidade

 Ricardo vivia imerso em um estado de tristeza e melancolia que o acompanhava como uma sombra fiel. Seus passos pelas ruas movimentadas da cidade eram lentos e pesados, como se carregasse não apenas o fardo de suas próprias dores, mas também o peso das contradições da vida urbana. Ricardo era um pensador, um filósofo amador em seus momentos solitários de reflexão, sempre voltando para casa após seu expediente. Ele se sentia atraído pelas ideias complexas e profundas de Hegel, o filósofo alemão que buscava compreender a natureza do ser, a evolução da consciência e as contradições inerentes ao mundo.

 Nos escritos de Hegel, Ricardo encontrava uma espécie de espelho para sua própria existência. A dialética hegeliana, com sua noção de tese, antítese e síntese, parecia refletir a luta interna que ele travava consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. As contradições da cidade grande, as desigualdades sociais, a busca por significado em meio ao caos urbano, tudo isso ecoava nas páginas dos livros que ele devorava avidamente. Ricardo via São Paulo como um microcosmo das contradições humanas. A riqueza e a pobreza, o luxo e a miséria, a agitação frenética e a solidão profunda, tudo isso se entrelaçava nas ruas, nos prédios altos, nos rostos apressados das pessoas que passavam por ele todos os dias. Ele se perguntava se a cidade não seria, de certa forma, uma manifestação material das contradições da própria alma humana.

 Sua depressão era como uma antítese que se contrapunha à tese da vida cotidiana. Ele se sentia preso nesse embate constante, incapaz de encontrar uma síntese que trouxesse paz e harmonia. Seus pensamentos mergulhavam nas profundezas do idealismo hegeliano, tentando compreender a natureza da existência e o papel da dor e do sofrimento em todo o processo de evolução. Ricardo não desistia totalmente da esperança. Ele via na filosofia de Hegel não apenas um espelho de suas próprias angústias, mas também uma luz que indicava a possibilidade de superação e crescimento. Assim, mesmo em meio à escuridão, ele continuava sua jornada, buscando encontrar um sentido mais profundo em sua própria vida e no labirinto de ideias e contradições que permeavam a cidade de São Paulo.

 Ricardo se via confrontado com a dura realidade das circunstâncias que o rodeavam em São Paulo. Ele entendia, como Marx disse, que os homens fazem sua própria história, mas não podem moldá-la totalmente de acordo com seus desejos. As estruturas sociais, econômicas e históricas que moldavam a cidade e a sociedade em que vivia eram poderosas demais para serem transformadas por sua vontade individual, percebendo que as forças que perpetuam a desigualdade, a alienação e a injustiça eram profundamente enraizadas e complexas. Ele se sentia impotente diante desse panorama, como se estivesse lutando contra moinhos de vento, incapaz de provocar uma mudança significativa por si só.

 Assim, ao final de suas reflexões, já em casa, Ricardo se joga na cama que deixou desarrumada, e ao olhar para a estante ao seu lado, com obras de Marx, Hegel e Engels, suspira exausto, sobra a ele então a angústia e a vontade de não mais existir nessa realidade.

 

Maíra Janis de Sousa, 1º ano - noturno, RA: 211220868

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