O Poder Simbólico, conceito tratado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, apesar de pouco visto, quase invisível, abstrato, pode ser encontrado nas mais diversas acepções e relações coletivas. Naturalizado e enraizado no âmago do ambiente no qual fomos inseridos desde o nascimento, é um fator corroborativo da manutenção e/ou aprofundamento das desigualdades sociais. A normalidade rotineira, portanto, torna-se um perigo, sendo tão despercebida, comum, intrínseca, a ponto de não ser questionada, presente nas entrelinhas da sociedade.
Como
imortalizado pelo brilhante Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo”, o
indivíduo, ao longo da vida, sofre variadas interferências externas, sejam elas
derivadas de sua cultura, religião, classe social, manifestações artísticas ou
até mesmo de posições hierárquicas. O conhecimento adquirido, o produto destas
trocas, direciona o indivíduo à certas escolhas e determinados comportamentos, conceito
este denominado habitus. Há de se
entender, contudo, que a neutralidade de opiniões e posicionamentos
transforma-se em algo distante e até utópico, bem como a Teoria Pura do
Direito, do positivista Hans Kelsen, visto que não é possível a construção de
uma “ciência jurídica pura”, nosso espaço social é formado pela interligação
dos vários campos: científico, artístico, político, jurídico, estando o
econômico ao cerne, irradiando todos os demais.
O caso
Pinheirinho, ocorrido em São José dos Campos em 2012, marcado pela tamanha
violência estatal e desrespeito aos Direitos Humanos durante uma reintegração
de posse de um terreno, que estava sendo ocupado por famílias (aproximadamente
seis mil pessoas) há mais de 8 anos na época, é um exemplo perfeito do poder
simbólico encontrado nas hierarquias, principalmente jurídicas. Não há como
ignorarmos a influência do campo econômico num conflito que quase resultou numa
guerra civil. Além de não haver coerência alguma na decisão tomada em 2011 pela
juíza Márcia Loureiro, é claro o “(...) reflexo direto das relações de forças
existentes, em que se exprimem as determinações econômicas e, em particular, os
interesses dos dominantes, ou então, um instrumento de dominação” (BOURDIEU,
1989, p.210).
A luta pelo
monopólio de dizer o direito, advinda do campo jurídico, mostra-se uma barbárie
perante ao caso concreto apresentado. Direitos como o da dignidade da pessoa
humana, função social da propriedade, valorização do bem estar coletivo e do
interesse público em relação ao particular, deveriam não só sustentar nossa
Constituição Federal de 1988, como todo aparato jurídico. O óbvio ainda precisa
ser constantemente dito: o direito de moradia de diversas famílias deveria ser
inegociável, sobreposto a todo e qualquer interesse econômico, fora a confusão grotesca
e proposital a despeito dos conceitos de posse e propriedade.
Este poder
simbólico, portanto, foi não só percebido, como contestado. Famílias foram à
luta e tiveram seus direitos completamente violados. A violência, que já não era
mais simbólica e mascarada pela coação, era ainda mais desigual, física e
imponente, abusiva, literalmente. Capistrano de Abreu (1853-1927), historiador
brasileiro, resume adequadamente nossas chagas sociais ao dizer que “a história
do Brasil dá a ideia de uma casa edificada na areia”, ou seja, não há alicerce
algum, não é seguro, é instável. Nosso Direito, bem como a casa, enquanto usado
como arma para a satisfação de interesses não fundamentados sob a égide moral,
não será visto como instrumento de transformação social, não contará com
alicerces verídicos, distanciando-se de seu propósito.
Júlia Nogueira Orricco
1° ano – Noturno
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