ANÁLISE DO VOTO DO RELATOR SOB A PERSPECTIVA DOS
CONCEITOS DE PIERRE BOURDIEU
Em 2001, o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul negou provimento ao agravo interno interposto, por Plínio
Formighieri e Valéria Dreyer Formiguieri, contra a decisão judicial que
indeferiu a liminar de reintegração de posse. Assim, os dois requerentes
solicitaram ao tribunal que a decisão de primeira instância fosse derrubada para
que tivessem a posse antecipada da propriedade rural, a qual estava sendo
ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra –
representados por Loivo Dal Agnoll e outros.
Dentre os votos que negaram o pedido dos
requerentes, interessante destacar o do desembargador Carlos Rafael dos Santos
Junior (relator). À luz dos conceitos do sociólogo Pierre Bourdieu, o referido
julgador inovou em sua argumentação jurídica ao se desvincular da interpretação
jurídica tradicional e demonstrar interesse em uma construção do conceito de
função social da propriedade, que fosse mais profundo do que a mera adequação
aos requisitos estabelecidos em lei para defini-la. Nas suas palavras: “Nessa
atividade, muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com
a interpretação jurídica tradicional". Trata-se
de uma tentativa de ampliar o “espaço dos possíveis”, conceito de Bourdieu que
se refere aos elementos comumente utilizados para desenvolver os argumentos no
Direito, tais como doutrina e jurisprudência.
Ademais, a fim de corroborar a sua
decisão, o desembargador apresenta o pensamento do doutrinador Carlos Maximiliano,
o qual aborda a necessidade de uma interpretação crítica da norma jurídica e a
superação da interpretação literal da lei. Ainda em seu voto, cita também o
professor Alexandre Pasqualini, que sustenta a importância da construção de novos
conceitos sobre posse e propriedade de imóveis. Por fim, o relator aborda mais
dois doutrinadores e um julgado para demonstrar que a satisfação da função
social da propriedade não pode envolver o “uso degenerado e egoísta” da terra, posto que deve haver a comprovação de que ela é
produtiva, e afirmou que os direitos daqueles que ocupam a propriedade rural podem
prevalecer ao direito meramente patrimonial dos proprietários, a depender do
caso.
Nesse sentido, a análise do repertório
jurídico trazido pelo julgador em seu voto demonstra um capital jurídico baseado
naquilo que Bourdieu denominou de “luta simbólica” entre doutrinadores e
operadores, haja vista que o desembargador utilizou tanto doutrina quanto jurisprudência
em seu voto. Por fim, consoante o pensamento de Bourdieu de que todo capital do
indivíduo propicia seu poder simbólico diante da sociedade, verifica-se que o
poder simbólico do desembargador decorre do prestígio da sua função e da interpretação
crítica – realizada raramente pelos operadores do Direito -, e não puramente
literal, que ele faz da expressão função social da propriedade.
Dessa
forma, a partir do aprofundamento da função social da propriedade, o relator
entende que este requisito tão essencial à terra não havia sido satisfeito
pelos requerentes na propriedade rural em questão, julgando a favor dos
integrantes do MST.
Nome:
Gabrielle Maurin de Souza
Turno:
noturno
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