Por que eu tenho nome estrangeiro?
Max chegou da escola e não quis almoçar. Deitou-se na cama, mas levantou depressa, lembrou-se da bronca que a mãe lhe dera na outra semana por ter dormido com o corpo sujo. Dividido entre enfrentar o chuveiro ou acomodar-se no chão, escolheu a segunda opção. Mas torceu para que nenhum dos irmãos entrasse ali, ou ele seria tido como doido.
Já repousante, pensou. Será que o Brasil estava mesmo acabando, como a professora havia dito? Os desmatamentos, a crise hídrica, a desorganização socioeconômica dos estados e os desmontes políticos municipais estariam mesmo prestes a arrebentar com a harmonia relativa que ele conhecia? Aquilo era algo que ele ouvira milhares de vezes em dezessete anos, mas que nunca tinha ressoado tanto nele quanto naquele momento. Esse pensamento foi entrecruzado por outro: o pai pusera nele nome estrangeiro, diferente do "Alencar" que a mãe queria, e, por causa disso, no seu primeiro aniversário, eles já estavam divorciados. Seria aquilo um microexemplo do destino da parcela nacional da humanidade?
O velho orgulhava-se de ter conseguido "dar um jeitinho" com o moço do cartório para fazer valer o próprio desejo. Será que o pai era tão maligno quanto os agronegociantes, que desperdiçavam água e acabavam com o país? Tão digno de nojo quanto os riquinhos da cidade, que pagavam uma merreca aos empregados que contratavam? Será que os filhos dos aristocratas goianos e dos endinheirados locais tinham tanta dificuldade de visualizar e aceitar a pequenês de caráter dos pais quanto Max tinha?
O menino reconsiderou. O pai dele não poderia mesmo ser tão mau quanto os outros dois. A família dele tinha cinco pessoas, e o país, duzentos e dez milhões. E mais: "Max" soava bem melhor que "Alencar". Por fim, talvez a mãe tivesse adoecido por outro fator, como uma depressão pós-parto, e não por causa daquilo. E ela já estava bem havia muito tempo.
O cérebro do garoto parecia trabalhar como o advogado do malandro num julgamento hipotético movido pela mãe. Max lembrou-se do avô e dos tios paternos, corcundas pela lida da roça, que não permitiam sequer que suas esposas escolhessem o corte de cabelo. Como o pai poderia ser diferente tendo sido criado em meio àquilo?
E mais: nenhum juiz precisaria preocupar-se em punir o pai para garantir que a atitude dele não virasse exemplo para os filhos, pois esses jovens estavam todos usufruindo de boa educação e vida confortável, o que lhes possibilitaria abraçar comportamentos menos grotescos.
Max, já sonolento, absolveu o pai. O senhor em questão não tinha tido a mesma instrução que os engravatados destruidores do mundo. A compreensão da atitude dele, bem como o entendimento de todo e qualquer fato ocorrido nas antigas terras de Veracruz, perpassava a inequidade socioeconômica, gigantesca em todos os cantos da nação. Isso, muito mais do que o valor numérico do dano, diferenciava-o deles. O pai de Max era diferente porque, naquele momento, estava a levar maçãs para vender na feira urbana, enquanto os exportadores de soja aproveitavam um café em Paris e os donos da academia que ele frequentava admiravam um quadro recém-adquirido, de Romero Britto.
Maria Paula Aleixo Golrks - 1° semestre - Direito matutino
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