Após
anos de guerrilha incessante e de conflitos cansativos com os nacionalistas,
Mao Tsé- Tung estava em Nanquim. A revolução de outubro de 1949, afirmava ele,
traria novos horizontes para uma China dividida por milênios de submissão aos
ditames imperiais e desigualdades trazidas pelo breve período republicano. Como
ele e seus auxiliares fariam isso? Pela implantação de um governo popular,
baseado na cooperação universal entre os indivíduos, tudo isso sob a tutela
justa de um Estado organizado para assisti-los nesse processo.
Para
isso, provou-se que seria de primeira necessidade a conversão imediata do povo
a uma ideologia proletário-agrária, a fim de permitir o progresso da nação em
novas bases produtivas, independentemente dos meios que se tivesse de lançar
mão para tal. A essa busca perpétua do progresso aviltada pela revolução e
que se estende- de uma maneira ou de outra- até os dias de hoje, daremos o nome
de “a ideologia chinesa”.
Mao
era marxista. Aliás, era tão convicto em seu posicionamento político que foi
agraciado com uma vertente própria dentro desse universo: O maoísmo. Essa linha
de pensamento estabelecia o trabalhador agrícola como base da revolução- como
já descrito nas linhas anteriores- e formou muitos seguidores ao redor do
mundo, como o governo de Pol Pot no Camboja e o movimento terrorista Sendero
Luminoso no Peru. Infelizmente, na própria China, essa corrente motivou
iniciativas estatais que foram responsáveis pela morte de milhões de cidadãos e
perdurou em sua modalidade mais rígida até 1976, ano de falecimento do todo
poderoso pai da revolução. Esse se provaria um ponto de virada.
Marx,
no entanto, não era maoísta. Isso nem era possível, haja vista que não eram
contemporâneos. Ele e seu colega Engels elaboraram muitas obras juntos, dentre
elas o famoso manifesto do partido comunista, que seguramente foi lido por Mao
e seus colegas do politiburo, mas que não vem ao caso no momento. A ideologia
alemã, primeiro manuscrito produzido em conjunto pelos dois alemães, tece
críticas ruidosas aos pensadores conhecidos como “Jovens Hegelianos”, grupo de
intelectuais revolucionários integrado por Ludwig Fuerbach, Bruno Bauer e
outros. Marx e Engels não suportavam o fato de esses sujeitos só destacarem
mudanças no plano do pensamento e nunca trazerem para o campo concreto. “A
atividade humana é o sujeito da história e não o espírito”, deve ter gritado um
indignado Karl durante um banho quente.
O
garboso “proletários do mundo uni-vos”, como enunciado no manifesto, só poderia
ser entoado a partir do momento em que os trabalhadores fossem conscientes de
que é a vida material que produz a consciência e não o contrário. Somente dessa
forma seria possível a instauração do comunismo e a tomada dos meios de
produção, por meio da consciência advinda da materialidade. As bases do que
seria traçado posteriormente como o Materialismo Histórico surgem ali e, além
disso, Marx e Engels dão especial atenção ao quesito da divisão do trabalho.
A
China mudou muito desde 1976. Deng Xiaoping, sucessor de Mao, operou alterações
estruturais na organização do país. A principal delas foi a abertura econômica ao restante do mundo, por meio das chamadas Zonas Econômicas Especiais.
Desse modo, cidades como Shanghai e Guangzhou foram estimuladas a fazer negócios
e se desenvolveram a ponto de hoje estarem na lista das cidades mais ricas do
mundo. As mudanças foram tantas, que atualmente a China é a segunda maior
economia mundial. Mesmo assim, os chineses continuam fazendo reuniões no
politiburo e são regidos pelo mesmo Partido Comunista de Mao. Aqui mora a
contradição e ela tem a ver com conceitos trabalhistas.
A República Popular da China contraria o
marxismo ao permitir que ainda existam classes sociais e os avanços tecnológicos-
notáveis- apenas aumentam as desigualdades que deveriam ser combatidas pelo
socialismo. O desenvolvimento de maquinário e de softwares que substituem os
indivíduos nos meios de produção, esvaziam o poder do proletário sobre a economia
e tornam, assim, inviável a própria luta de classes. Nesse contexto, Marx se
reviraria no caixão ao ver sua imagem sendo ovacionada em um comitê de líderes
chineses.
A
ideologia chinesa, dessa maneira, retira dos proletários a relevância no
sistema econômico e os conduz a uma realidade em que a consciência sequer pode
ser construída por meio da atividade material. Em um futuro próximo, nem mesmo existirá
atividade material para ser exercida por eles. Mao e, principalmente Marx, não
puderam prever o momento em que a foice e o martelo iriam drapejar sobre um Estado onde o povo- destituído do título de sujeito da história- possa ter de substituir a consciência política advinda do
trabalho, pelas mudanças apenas no plano do pensamento, à moda dos jovens
hegelianos.
Fernando Camargo Siqueira- 1° ano- Direito noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário