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sábado, 22 de agosto de 2020

6 de dezembro


"Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada."

"Tabacaria", de Fernando Pessoa.


      6 de dezembro, as muralhes de Kiev sucumbem perante os exércitos mongóis, atravessando milhares de quilômetros, a Horda Dourada de Batu Cã conquista Kiev e inicia seu domínio na Europa do Leste.  Os cronistas ucranianos da época alertavam que a invasão mongol era uma condenação de Deus pelos pecados dos homens (Feuerbach certamente descordaria), mas 6 de dezembro me vem a memória por outra anedota.

          Henrique Villegas, contava-me esses dias que estava em Santa Marta, na Colômbia, alguns anos atrás, bebendo em uma pequena espelunca quando ouviu pelo rádio o relato da morte. Um homem chamado Luis Vicente Gámez, enviou uma carta para ser lida em memória dos trabalhadores mortos da companhia bananeira norte-americana United Fruit Company, no fatídico dia de 6 de dezembro de 1928*.

          Villegas perguntou ao dono da espelunca se o relato era verdadeiro:

– Vicente Gámez faz isso todos os anos, desde 1929. Todo 6 de dezembro essa carta é lida, ninguém sabe direito o que aconteceu naquela greve ou simplesmente preferem não saber.

          Na correspondência lida pelo radialista, Gámez contava que os trabalhadores entraram em greve no início de dezembro, as exigências eram: melhores condições de trabalho, abolição de pagamento por meio de cupons, dormitórios higiênicos e semanas de trabalho de 6 dias. Segundo Gámez, os trabalhadores não eram comunistas ou liberais, mas eram famílias pobres que viviam em condições precárias, enquanto os donos americanos ficavam com o lucro de seus esforços.

       Os proprietários americanos ficaram furiosos quando receberam a notícia da greve, exigiriam que o governo de Miguel Mendéz tomasse providencias para pôr um fim a mobilização. No dia 6 de dezembro, os militares ocuparam Aracataca, colocaram metralhadoras nos prédios baixos da praça principal, fecharam as vias de acesso e abriram fogo contra os grevistas que estavam reunidos na praça após a missa do domingo. Gámez fugiu dos militares se escondendo por três dias debaixo de uma ponte. Quando saiu, viu os corpos dos companheiros jogados em valas comuns, mortos como baratas.

– Em memória de meus colegas Bernardino Guerrero e Erasmo Coronell*, mártires de uma causa desacreditada – assim terminava a carta de Luis Vicente.

          Quando a leitura se encerrou, um bêbado debochou:

 Militares incompetentes, se tivessem feito o serviço direito não teríamos esses comunistas para todos os lados.

– Aquele bêbado certamente era hegeliano, estava completamente tomado pelos seus idealismos, para ele a ideia de Colômbia que seu torpe raciocínio alcoolizado produz representa a verdadeira Colômbia. A Colômbia, assim como as outras nações de nosso continente, não estão lotadas de comunistas para todos os lados, mas de pobres em todas as esquinas. Os socialistas simplesmente questionam quais seriam as razões da pobreza dos homens – comentou Henrique na noite em que nos reunimos.

        Sempre que rememoro essa anedota, penso nas histórias que um dia pode guardar. Seja uma invasão mongol sobre Kiev, uma explosão em um porto canadense* ou um levante de trabalhadores oprimidos em Aracataca. A força que move essas histórias já recebeu diversos nomes, de Deus até de Luta de Classes, mas certamente as versões dessas histórias sempre serão escritas pelas mesmas pessoas: os “vitoriosos”.     

 


*O “Massacre das Bananeiras”, como ficou conhecido, realmente aconteceu. Até hoje não se sabe o número exato de mortos.

*Bernardino Guerrero e Erasmo Coronell foram os dois líderes mortos pelo exército colombiano.

*A “Explosão de Halifax”, foi um desastre canadense ocorrido no dia 6 de Dezembro de 1917 em Halifax. O acidente ocorreu no porto de Halifax, devido à colisão do navio francês Mont-Blanc, carregado de explosivos.


Luis Gustavo da Silva/Matutino.

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