"Estou hoje vencido, como se soubesse a
verdade.
Estou hoje lúcido, como se
estivesse para morrer,
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum,
talvez tudo fosse nada."
"Tabacaria", de Fernando Pessoa.
6
de dezembro, as muralhes de Kiev sucumbem perante os exércitos mongóis,
atravessando milhares de quilômetros, a Horda Dourada de Batu Cã conquista
Kiev e inicia seu domínio na Europa do Leste. Os cronistas
ucranianos da época alertavam que a invasão mongol era uma condenação de Deus
pelos pecados dos homens (Feuerbach certamente descordaria), mas 6 de dezembro
me vem a memória por outra anedota.
Henrique Villegas, contava-me esses dias
que estava em Santa Marta, na Colômbia, alguns anos atrás, bebendo em uma
pequena espelunca quando ouviu pelo rádio o relato da morte. Um homem chamado
Luis Vicente Gámez, enviou uma carta para ser lida em memória dos trabalhadores
mortos da companhia bananeira norte-americana United Fruit Company, no
fatídico dia de 6 de dezembro de 1928*.
Villegas
perguntou ao dono da espelunca se o relato era verdadeiro:
–
Vicente Gámez faz isso todos os anos, desde 1929. Todo 6 de dezembro essa carta
é lida, ninguém sabe direito o que aconteceu naquela greve ou simplesmente
preferem não saber.
Na
correspondência lida pelo radialista, Gámez contava que os trabalhadores
entraram em greve no início de dezembro, as exigências eram: melhores condições
de trabalho, abolição de pagamento por meio de cupons, dormitórios
higiênicos e semanas de trabalho de 6 dias. Segundo Gámez, os
trabalhadores não eram comunistas ou liberais, mas eram famílias pobres que
viviam em condições precárias, enquanto os donos americanos ficavam com o lucro
de seus esforços.
Os
proprietários americanos ficaram furiosos quando receberam a notícia da greve,
exigiriam que o governo de Miguel Mendéz tomasse providencias para pôr um fim a
mobilização. No dia 6 de dezembro, os militares ocuparam Aracataca, colocaram
metralhadoras nos prédios baixos da praça principal, fecharam as vias de acesso
e abriram fogo contra os grevistas que estavam reunidos na praça após a missa
do domingo. Gámez fugiu dos militares se escondendo por três dias debaixo de
uma ponte. Quando saiu, viu os corpos dos companheiros jogados em valas comuns,
mortos como baratas.
– Em memória de meus colegas Bernardino Guerrero e Erasmo Coronell*, mártires de uma causa desacreditada – assim terminava a carta de Luis Vicente.
Quando
a leitura se encerrou, um bêbado debochou:
– Militares
incompetentes, se tivessem feito o serviço direito não teríamos esses
comunistas para todos os lados.
– Aquele
bêbado certamente era hegeliano, estava completamente tomado pelos seus
idealismos, para ele a ideia de Colômbia que seu torpe raciocínio alcoolizado
produz representa a verdadeira Colômbia. A Colômbia, assim como as outras nações
de nosso continente, não estão lotadas de comunistas para todos os lados, mas
de pobres em todas as esquinas. Os socialistas simplesmente questionam quais
seriam as razões da pobreza dos homens – comentou Henrique na noite em que nos
reunimos.
Sempre
que rememoro essa anedota, penso nas histórias que um dia pode guardar. Seja
uma invasão mongol sobre Kiev, uma explosão em um porto canadense* ou um levante
de trabalhadores oprimidos em Aracataca. A força que move essas histórias já
recebeu diversos nomes, de Deus até de Luta de Classes, mas certamente as
versões dessas histórias sempre serão escritas pelas mesmas pessoas: os
“vitoriosos”.
*O “Massacre
das Bananeiras”, como ficou conhecido, realmente aconteceu. Até hoje não se
sabe o número exato de mortos.
*Bernardino
Guerrero e Erasmo Coronell foram os dois líderes mortos pelo exército
colombiano.
*A “Explosão de Halifax”, foi um desastre canadense ocorrido no dia 6 de Dezembro de 1917 em Halifax. O acidente ocorreu no porto de Halifax, devido à colisão do navio francês Mont-Blanc, carregado de explosivos.
Luis Gustavo da Silva/Matutino.
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