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sábado, 5 de outubro de 2019

João cantava a vida

 
   
   A jornada de João Francisco dos Santos não foi nada fácil. Caracterizado como um jogador frequentador da Lapa e suas intermediações, o qual possuía aspecto feminino, fumante e constantemente embriagado, sua vida foi repleta de confusão até chegar a seu tão sonhado desfile de carnaval da Madame Satã. Isso porque a sociedade do Rio de Janeiro o repele enormemente. Apesar de todas as facadas nas costas, o herói sabia que tinha nascido para os dias de espetáculo e que não podia limitar sua essência à vida de malandro que todos esperavam dele.

Esse é um ponto muito importante: Todos acham que João Francisco “nasceu torto”. Isso porque o protagonista mora em um local simples, com pessoas de baixo poder aquisitivo e nível social, tratadas pelas autoridades como lixo devido às condições em que vivem. Vistos como propensos ao crime, rotulados de criminosos. Essa violência rotineira é mostrada várias vezes como, por exemplo, no assassinato a tiros de Renatinho. Além disso, em uma batida da polícia no local onde morava, João não demora a ser acusado por roubo e desacato à autoridade. João é humilde, exprime- se com dificuldade e, principalmente: é repreendido apenas por ser quem é. Familiar?

“Fabiano voltou-se e viu ali perto o soldado amarelo, que o desafiava, a cara enferrujada, uma ruga na testa. Mexeu-se para sacudir o chapéu de couro nas ventas do agressor. Marchou desorientado, entrou na cadeia, ouviu sem compreender uma acusação medonha e não se defendeu. Deram-lhe um safanão que o arremessou para as trevas do cárcere.”

Ramos, Graciliano- Vidas Secas. p. 37

Por um lado, João era um homem muito cuidadoso que arriscava sua própria vida a fim de defender mulheres e crianças que estivessem em perigo. Era um sonhador almejando a música francesa polvilhada de aplausos. Planejava se endireitar para receber seu pagamento, ser alguém feliz e bem sucedido naquilo que amava. Por outro, sob o olhar preconceituoso da sociedade carioca da época, ele não passava de uma “bicha" homicida. Cumpriu 10 anos de regime fechado na prisão: único lugar em que permitiram sua entrada no filme inteiro.

Analisando o caso da criminalização da homofobia sob essa perspectiva, extrai- se que as lacunas constitucionais limitavam a eficácia da norma e o exercício do direito. Portanto, a Corte exerceu uma atividade de integração legislativa devido à recusa por parte do Parlamento em cumprir seu dever constitucional. O STF admitiu normatizar matérias desta categoria, visando impedir parâmetros injustos que desprestigiam a Constituição.

   O Judiciário assume, provisoriamente, o centro de decisões: Os poderes que lhe foram conferidos visam proteger o desejo da aplicação integral da Constituição, já que ela foi promulgada com esse intuito. Há evidente comprovação do interesse judiciário em assumir o dever: suprir tal falta a fim de evitar a mera posição de passividade dessa organização jurídica.

Logo, promove- se a maior efetivação desse processo de mudança necessária. Tornou- se imprescindível exigir o cumprimento efetivo do que a norma determina por meios judiciais, uma vez que a atuação supletiva do Poder Judiciário- a elaboração da normatização faltante pelo Tribunal -seria a garantia de realização dos direitos fundamentais e, assim, impossibilitaria a inconstitucionalidade que atinge indivíduos marginalizados,bem como os personagens da trama.

  Madame Satã é desrespeitada majoritariamente durante sua juventude, como retrata o filme. Utilizam- se frequentemente preconceituosas referências a sua sexualidade, como “maricas” ou “viado”. Julgam erroneamente que ele se “ fantasia de mulher para praticar atos repulsivos” em seu “ mundo devasso cheio de puta e vagabundo”. O mais triste é que discursos como esse não permaneceram na década de 30, mas sim transcenderam a barreira do tempo e tomaram seu espaço através de pessoas sujas e ignorantes até hoje. Os integrantes da comunidade LGBT, porém, apenas reivindicam seu direito a um tratamento diferente, mais digno para que possam crescer como seres humanos, profissionais e artistas.

Laura Filipini Noveli
1o ano- Direito Matutino

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