Total de visualizações de página (desde out/2009)

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Judiciário: essência de decisões democráticas.

Segundo Luís Roberto Barroso, foi a partir da redemocratização na década de 80, com da promulgação da Constituição Federal de 1988, que o processo de Judicialização começou a criar raízes na dinâmica jurídica brasileira. A expansão do Poder Judiciário seria, então, uma tendência natural e necessária advinda da realidade democrática vigente. Diante disso, a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4277 feita pelo STF no ano de 2011, encaixa-se perfeitamente como reflexo da expansão desse fenômeno de judicialização como forma de afirmação da essência da cidadania diante da tão recente democracia brasileira. 
A temática acerca da equiparação da união homoafetiva à união estável alcançou o ambiente do STF em 2008 a partir da ADPF 132, arguida pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Porém, tal arguição foi acolhida e transmutada para ADI 4277, a qual, com bases em preceitos de violação de previsões constitucionais fundamentais, como o direito à liberdade, autonomia da vontade e sustentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, culminou na histórica decisão de equiparação proferida pelo STF em 2011. Diante de todo esse processo a fim do alcance de garantia de igualdade em rompimento com paradigmas enraizados à estruturação social e cultural brasileira, a atuação judiciária mostrou-se como símbolo de recurso a tutelas fundamentais reivindicadas por grupos sociais brasileiros.
Garapon trata esse deslocamento de decisões para o ambiente judiciário como resultado de um processo de hiperjurisdição social, pelo qual o regime democrático é intimado a ser um meio no qual a tutela de grupos sociais frágeis deve ser exercida como prioridade em detrimento da função judiciária reduzida à arbitrariedade. Nesse sentido, a inserção de discussões como a de reconhecimento da união homoafetiva ao ambiente do Supremo Tribunal Federal caracteriza a provocação à ação judicial a serviço da conservação de uma democracia saudável e legitimada pela justiça ouvinte e amparadora de reivindicações advindas puramente da realidade social em busca da afirmação de direitos inerentes a qualquer cidadão. Desse modo, busca-se um equilíbrio social através de meios legítimos proporcionados pela própria essência democrática de soberania da voz popular.
Por isso, ao se estabelecer a garantia de direitos e proteções à união homoafetiva desde âmbitos básicos, como questões materiais de aquisição de bens, a celebração da união reconhecida em cartório em equiparação, em garantia e deveres, aos da união estável heteroafetiva, reflexos são lançados sobre toda a dinâmica jurídica e também cultural. Dessa forma, a mobilização de uma temática urgente para as esferas dos tribunais superiores se mostra como caminho difusor de novas configurações sociais a partir do atendimento de demandas puramente práticas e ilustradoras da realidade brasileira.
Além disso, por se tratar de uma decisão moldada a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, são lançados reflexos acerca de toda a atividade jurisprudencial e a perspectiva social de modo colossal e histórico. E essa repercussão, ao contrário do que Ingeborg Maus defende, não evidencia a justiça como mera suprema instância moral da sociedade e meio de regressão democrática, mas sim, como veículo de defesas essenciais para um convívio saudável frente a uma forte crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade dos poderes Legislativo e Judiciário- como é descrita por Barroso a realidade brasileira. Dessa maneira, essa decisão histórica, em decorrência do reconhecimento de direitos e deveres emanados da união homoafetiva reconhecida como entidade familiar, é a mais fiel representação de quebra de paradigmas diante de uma sociedade mergulhada em crises e instabilidades.
Por conseguinte, com base em argumentos, como os do Ministro Ayres Britto (relator), consistentes na aceitação de pluralismo socio-político-cultural em prol de uma convivência respeitosa diante de uniões que fogem ao endeusado padrão heteronormativista, a judicialização se mostra como fenômeno de mobilização em legitimidade a anseios essenciais provenientes de grupos sociais os quais devem ser tutelados intensamente em seus direitos e garantias fundamentais.  Logo, a judicialização, em sua essência de garantia da dignidade de exercício de direitos, proporciona um maior fôlego para a recuperação da atual -concebida por Antoine Garapon- Democracia desencantada.
Lorena Yumi Pistori Ynomoto- Direito, Noturno 

Nenhum comentário:

Postar um comentário