Segundo Luís Roberto Barroso, foi a partir da redemocratização na década
de 80, com da promulgação da Constituição Federal de 1988, que o processo de
Judicialização começou a criar raízes na dinâmica jurídica brasileira. A
expansão do Poder Judiciário seria, então, uma tendência natural e necessária
advinda da realidade democrática vigente. Diante disso, a análise da Ação
Direta de Inconstitucionalidade número 4277 feita pelo STF no ano de 2011,
encaixa-se perfeitamente como reflexo da expansão desse fenômeno de
judicialização como forma de afirmação da essência da cidadania diante da tão
recente democracia brasileira.
A temática acerca da equiparação da união homoafetiva à união estável
alcançou o ambiente do STF em 2008 a partir da ADPF 132, arguida pelo então
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Porém, tal arguição foi acolhida e
transmutada para ADI 4277, a qual, com bases em preceitos de violação de
previsões constitucionais fundamentais, como o direito à liberdade, autonomia
da vontade e sustentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana,
culminou na histórica decisão de equiparação proferida pelo STF em 2011. Diante
de todo esse processo a fim do alcance de garantia de igualdade em rompimento
com paradigmas enraizados à estruturação social e cultural brasileira, a
atuação judiciária mostrou-se como símbolo de recurso a tutelas fundamentais
reivindicadas por grupos sociais brasileiros.
Garapon trata esse deslocamento de decisões para o ambiente judiciário
como resultado de um processo de hiperjurisdição social, pelo qual o regime
democrático é intimado a ser um meio no qual a tutela de grupos sociais frágeis
deve ser exercida como prioridade em detrimento da função judiciária reduzida à
arbitrariedade. Nesse sentido, a inserção de discussões como a de
reconhecimento da união homoafetiva ao ambiente do Supremo Tribunal Federal
caracteriza a provocação à ação judicial a serviço da conservação de uma
democracia saudável e legitimada pela justiça ouvinte e amparadora de reivindicações
advindas puramente da realidade social em busca da afirmação de direitos
inerentes a qualquer cidadão. Desse modo, busca-se um equilíbrio social através
de meios legítimos proporcionados pela própria essência democrática de
soberania da voz popular.
Por isso, ao se estabelecer a garantia de direitos e proteções à união
homoafetiva desde âmbitos básicos, como questões materiais de aquisição de
bens, a celebração da união reconhecida em cartório em equiparação, em garantia
e deveres, aos da união estável heteroafetiva, reflexos são lançados sobre toda
a dinâmica jurídica e também cultural. Dessa forma, a mobilização de uma
temática urgente para as esferas dos tribunais superiores se mostra como
caminho difusor de novas configurações sociais a partir do atendimento de
demandas puramente práticas e ilustradoras da realidade brasileira.
Além disso, por se tratar de uma decisão moldada a partir de uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade, são lançados reflexos acerca de toda a
atividade jurisprudencial e a perspectiva social de modo colossal e histórico.
E essa repercussão, ao contrário do que Ingeborg Maus defende, não evidencia a
justiça como mera suprema instância moral da sociedade e meio de regressão
democrática, mas sim, como veículo de defesas essenciais para um convívio
saudável frente a uma forte crise de representatividade, legitimidade e
funcionalidade dos poderes Legislativo e Judiciário- como é descrita por
Barroso a realidade brasileira. Dessa maneira, essa decisão histórica, em
decorrência do reconhecimento de direitos e deveres emanados da união
homoafetiva reconhecida como entidade familiar, é a mais fiel representação de quebra de paradigmas diante de uma sociedade mergulhada em crises e
instabilidades.
Por conseguinte, com base em argumentos, como os do Ministro Ayres
Britto (relator), consistentes na aceitação de pluralismo
socio-político-cultural em prol de uma convivência respeitosa diante de uniões
que fogem ao endeusado padrão heteronormativista, a judicialização se mostra
como fenômeno de mobilização em legitimidade a anseios essenciais provenientes
de grupos sociais os quais devem ser tutelados intensamente em seus direitos e
garantias fundamentais. Logo, a
judicialização, em sua essência de garantia da dignidade de exercício de direitos,
proporciona um maior fôlego para a recuperação da atual -concebida por Antoine
Garapon- Democracia desencantada.
Lorena Yumi Pistori Ynomoto- Direito, Noturno
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